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Dia Mundial do Autismo: direitos, desafios e inclusão no Amazonas 

Entenda os desafios do autismo na vida adulta e o preconceito no ambiente de trabalho.

Escrito por
Yasmin Siqueira
April 02, 2025
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Foto: Ygson França/Sejusc

No dia 2 de abril celebra-se o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, uma data criada para ampliar o debate sobre os direitos, desafios e a inclusão das pessoas autistas na sociedade. A luta por reconhecimento e respeito avança, mas ainda há barreiras significativas a serem superadas.

Para entender melhor essa realidade, o Diário da Capital conversou com Milene Miranda, jornalista, mulher de 60 anos, autista de nível de suporte 1, que compartilhou suas percepções sobre os desafios enfrentados no cotidiano e o amparo legal às pessoas autistas.

Autismo e sociedade: o que ainda precisa mudar?

Milene destaca que uma das maiores dificuldades está na falta de compreensão sobre a diversidade dentro do espectro autista. “As pessoas deveriam estar dispostas a conhecer ‘o autista’, a pessoa autista com quem se deparam, já que se trata de um espectro, com inúmeras combinações de características”, explica.

Ela também pontua que saber falar ou escrever bem não significa, necessariamente, ter facilidade de comunicação no dia a dia. “Conhecimento e uso da língua não é a mesma coisa que saber se comunicar em meio a pessoas que estão permanentemente performando trejeitos, expressões e práticas que, quase sempre, contrariam o real. Para o autista, isso é desnecessário e particularmente desgastante”.

Quando questionada sobre os desafios da convivência, Milene é enfática: “Conviver com neurotípicos é que é o desafio. O TEA é como eu sempre fui.”

O direito protege as pessoas autistas?

As pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm direitos garantidos por leis brasileiras, incluindo acesso a tratamento gratuito ou pelo plano de saúde, inclusão escolar, atendimento prioritário, isenção de impostos na compra de veículos, vagas preferenciais de estacionamento e proteção contra discriminação. Também têm direito a benefícios do INSS, participação em planos privados de saúde e proteção contra privação de liberdade ou convívio familiar. A Lei 12.764/2012 reconhece o TEA como deficiência para todos os efeitos legais, e a Lei Brasileira de Inclusão reforça esses direitos.

Sobre a legislação, Milene reconhece que usufrui de alguns benefícios, mas afirma que a proteção legal é falha. “A lei, de fato, não ampara o autista e, na verdade, não ampara a grande maioria de pessoas vulneráveis, como mulheres, pobres, pretos, idosos, crianças… A lei tem classe econômica definida. A lei só protege quem paga.”

Ela também ressalta que, embora a legislação proíba discriminação contra autistas, o diagnóstico ainda carrega um estigma social. “O diagnóstico implica, majoritariamente, ser visto como incapaz, como idiota ou doido. Fala-se que apenas 30 a 40% dos autistas têm deficiência cognitiva. Mas, na real, metade da população brasileira hoje é de idiotas não autistas, que reproduzem fake news, acreditam que a Terra é plana, usaram cloroquina contra a COVID. Por que ninguém fala sobre essa incapacidade generalizada de compreensão da realidade? Por que essas pessoas não são vistas como deficientes? Porque o direito é uma mentira.”

Carga horária reduzida: um direito com obstáculos

Um dos direitos garantidos às pessoas autistas é a redução da carga horária de trabalho, mas Milene explica que o acesso a esse benefício não é simples. “Eu obtive o direito, mas até chegar aí, precisei gastar bastante com psicólogo, psiquiatra, neurologista e otorrino/fonoaudiólogo, tudo particular. Além disso, o autismo é uma condição permanente, mas o meu trabalho exige que eu seja reavaliada anualmente para renovar a concessão do direito.”

Além dos desafios burocráticos, ela relata impactos diretos na carreira. “Desde o diagnóstico, deixei de ser designada para qualquer função, grupos de trabalho ou comissão que me pagaria dinheiro extra. Que direito é esse?”

Carteirinhas para pessoas com TEA

Como forma de garantir direitos às pessoas autistas no Amazonas, mais de 9,4 mil unidades da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea) foram emitidas pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc). O documento é um direito de acordo com a Lei Estadual n° 5.403/21. 

Válida em território nacional, a carteira Ciptea garante à comunidade autista o atendimento prioritário em todos os segmentos dos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.

Para a secretária titular da Sejusc, Jussara Pedrosa, a solicitação e emissão das carteiras é uma consequência da maior conscientização e busca da população pelos seus direitos. 

“Trabalhamos para assegurar os direitos das pessoas com deficiência. As palestras, ações de conscientização e cidadania que realizamos são meios para isso. Nós disponibilizamos os serviços no local, com as ações itinerantes, então a pessoa com deficiência consegue saber mais sobre seu direito e solicitá-lo tudo no mesmo lugar”, explicou.

Solicitação

Para solicitar a carteira é necessário baixar o aplicativo SASI, disponível para Android e IOS. Após baixar, o usuário insere o código “SPCDAM” e preenche o cadastro. 

Para solicitar a carteira Ciptea, o usuário precisa de uma foto 3×4 atual, RG e CPF, comprovante de residência, descrições do médico que acompanha a PcD pelo sistema do SUS, laudo médico, com a Classificação Internacional de Doenças (CID) e tipagem sanguínea. Do responsável, é necessário RG, CPF, e-mail e telefone.

Após aprovada a solicitação, o usuário é notificado pelo aplicativo para ir à sede da SePcD – localizada na rua Marquês de Quixeramobim, nº 210, conjunto Parque das Laranjeiras, bairro Flores – para realizar a coleta digital ou assinatura para a carteira. Com a aprovação dos dados, a carteira tem um prazo de no mínimo 15 dias para ser emitida. A entrega é feita na sede da SePcD.

Conscientização 

A conscientização sobre o autismo é essencial para garantir inclusão, respeito e apoio às pessoas autistas. O aumento do número de diagnósticos reforça a necessidade de políticas públicas eficientes, educação inclusiva e combate ao estigma social.

Enquanto avanços são conquistados, relatos como o de Milene mostram que ainda há um longo caminho pela frente. O desafio não é apenas garantir direitos no papel, mas fazer com que eles sejam efetivamente respeitados no dia a dia.

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