A secretária nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores (PT), Anne Moura, se posicionou em resposta a uma polêmica gerada pelas próprias declarações, gravadas em uma reunião com o ex-presidente do Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (IAJA), Marcos Rodrigues, em setembro do ano passado.
Na reunião gravada e registrada em cartório, Anne Moura teria pressionado Rodrigues a direcionar a estrutura do Programa Nacional de Comitês de Cultura (PNCC) — que vai custar R$ 58,8 milhões até o final deste ano — para a própria campanha para vereadora em Manaus. A gravação foi divulgada pelo Estadão.
Em nota, Anne Moura afirmou que as declarações registradas haviam sido distorcidas para desqualificar a atuação política no Estado, destacando a trajetória de mais de 20 anos na defesa de causas sociais.
Ela ainda critica o ex-presidente da Iaja Marcos Rodrigues e diz que irá “comprovar a lisura de meus atos e de cobrar a punição para pessoas que estão descompromissadas com a verdade e focadas apenas em projetos pessoais de poder. Desconheço a transcrição da gravação onde supostamente converso com o ex-presidente do Iaja. Reuni com este senhor, mas nunca no sentido de interferir na condução administrativa do Comitê de Cultura”, afirmou Anne.
A secretária também elogiou o histórico do IAJA, instituição que, segundo ela, atua há mais de uma década em projetos sociais. Anne argumentou que o IAJA foi escolhido para coordenar o Comitê de Cultura do Amazonas devido à “eficiência e transparência” e reafirmou que nunca interferiu na gestão administrativa do comitê.
Acusações de interferência política
A gravação revela Anne Moura cobrando apoio político do Comitê de Cultura, mencionando o pedido de ajuda para sua campanha de vereadora em Manaus, a qual não obteve êxito. Ela também critica a escolha de artistas para atividades culturais, acusando o comitê de não priorizar os “artistas parceiros” alinhados à política do PT, o que a teria levado a buscar o apoio de altos dirigentes do Ministério da Cultura (MinC).
A acusação de interferência política na seleção dos coordenadores dos comitês de cultura foi reforçada por outros trechos da gravação, onde Anne mencionou atuação direta na aprovação do IAJA para coordenar as ações culturais no Amazonas.
Em outro trecho da conversa gravada, Anne Moura, sugeriu uma possível intervenção no órgão federal de cultura no Amazonas devido ao protagonismo de André Guimarães, assessor de projetos do comitê de cultura local e militante do PSOL.
O descontentamento com a falta de favorecimento a “artistas aliados políticos” foi levantado pela secretária do PT, que também criticou a participação de Wanda Witoto (Rede) em um evento público do comitê. Ambas concorreram no pleito municipal.
“Quero que cheguem e digam para o André o que é e o que não é. Sabe por que, Marcos? Não quero que o comitê deixe de fazer o que tá fazendo, porque eu acompanho. Tá legal. Mas o comitê dar o microfone na mão da Wanda para ela falar e dizer que isso não tem a ver com a política? (Anne, mas o comitê não deu o microfone…) Vocês escolherem artistas sem combinar na política quem são os artistas parceiros”.
Campanha publicada
Embora Anne Moura tenha dito em áudio a falta de “apoio” do comitê de cultura, o órgão acabou endossando a candidatura ao republicar, nas redes sociais, materiais de campanha da secretária nacional do PT. Essa ação contraria uma orientação expressa da diretora de articulação e governança da pasta, Desiree Tozi.
Em um documento datado de 17 de julho, a diretora instruiu todos os comitês e entidades parceiras a publicarem apenas conteúdos de “caráter exclusivamente educativo, informativo ou de orientação social”, proibindo qualquer veiculação de “nomes, símbolos ou imagens” que indicassem “preferências político-partidárias” ou promovesse “autoridades, servidores candidatos ou pré-candidatos”.
Em dezembro de 2024, Marcos Rodrigues foi afastado da presidência do Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (Iaja), após cerca de quatro anos à frente da entidade. O distanciamento já vinha se intensificando, e a demissão selou o rompimento definitivo. Ao ser exonerado, Rodrigues acusou Anne Moura de usar a estrutura do Iaja para fins político-pessoais.
Resposta do Ministério da Cultura e investigações
Após a divulgação da gravação, o Ministério da Cultura anunciou que suspendeu temporariamente as atividades do Comitê de Cultura do Amazonas e bloqueou os recursos destinados ao IAJA, como medida preventiva para apurar possíveis irregularidades.
A pasta informou que qualquer envolvimento de servidores ou entidades no processo eleitoral será rigorosamente investigado, reafirmando que não há espaço para favorecimento político nas ações culturais do ministério.
Repercussão na política local e nacional
Em entrevista ao Diário da Capital, o vereador Zé Ricardo (PT) destacou a necessidade de esclarecer as informações. O parlamentar sugere ainda que os fatos podem estar ligados às eleições internas do partido, previstas para julho deste ano.
“Vai ser tudo apurado e verificado, né? O PT não pode ter medo não se errou vai ter que pagar pelo erro. (…) Eu acho que isso tem que ser bem esclarecido, né. Afinal de contas, a gente sabe que estamos vivenciando um momento muito forte, sempre de muita fake news, muitas informações desencontradas contra dirigentes do Partido dos Trabalhadores. Nós vamos ter uma eleição interna no partido, agora, no início de julho, então, naturalmente, muita gente acaba falando sobre várias questões. Mas especificamente eu acho que tem que ser esclarecido e levantando, eu ainda não sei os detalhes […] de qualquer forma eu acho que tudo tem que ser passado a limpo“, disse.
O vereador Coronel Rosses, do PL, comenta sobre o caso envolvendo Anne Moura e aponta uma tendência de descredibilidade para a esquerda. Segundo ele, episódios semelhantes têm sido registrados em outros estados, como São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina.
“Eu falei com parlamentares do PL, de São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina, fatos semelhantes aconteceram, e o que a gente pode falar sobre isso? É típico do PT utilizar toda essa máquina pública para conseguir votos. Hoje o descrédito do Brasil é visível para todo mundo, inclusive para a classe de esquerda. O PT está perdendo descrédito inclusive com a esquerda. Tá manchando a falta de apoio, credibilidade. Está levando o Brasil para o buraco”, disse Rosses ao Diário.
Pelas redes sociais, o deputado federal Kim Kataguiri (União) afirmou que irá acionar o Ministério Público. “Essa notícia não chocou ninguém. Um ministério usado para financiar candidaturas é mais uma prova de que este governo não se importa com ninguém além de si mesmo. Vou acionar o Ministério Público para averiguar possíveis indícios de corrupção nesse esquema”, afirmou.
O deputado também solicita que o Tribunal de Contas da União (TCU) seja notificado para realizar uma auditoria nos gastos do Programa Nacional de Comitês de Cultura (PNCC) e adote as medidas necessárias na esfera eleitoral.