Matérias
Amazonas

Mundo colorido: o autismo na infância e o caminho até o diagnóstico

Conheça a história de Alberto, uma criança de 10 anos diagnosticada com o TEA

Escrito por
Yasmin Siqueira
April 02, 2025
Leia em
X
min
Compartilhe essa matéria
Arquivo Pessoal/Márcio Costa

No Dia Mundial de Conscientização do Autismo, o Diário da Capital conheceu a história de Márcio de Oliveira Costa, professor de educação física, pai de Alberto Miguel, um menino autista de nível de suporte 2, que está prestes a completar 11 anos. A trajetória até aqui foi repleta de desafios, mas também de aprendizados. Para ele, o primeiro e mais importante passo foi a aceitação.

A família tem que aceitar, tem que entender um pouquinho sobre o autismo, tem que entender as crises, o comportamento. Ele é meu filho, tem que respeitar, tem que ter paciência”, afirma Márcio.

Miguel e o pai, Márcio, em dia de lazer. — Foto: Arquivo Pessoal/Márcio Costa

Com o tempo, Márcio aprendeu que o autismo não define quem seu filho é, tampouco o torna alguém incapaz. “Só porque meu filho é autista, ele não é um coitadinho. Nós temos que preparar o nosso filho para lidar com a sociedade”, diz.

O dia a dia exige adaptações. Alberto é sensível a barulhos, o que torna situações simples, como um corte de cabelo, um verdadeiro desafio. “Mas estamos conseguindo adaptar ele. Ele só corta com um profissional, e aos poucos foi se acostumando, sempre respeitando o tempo da criança”, explica Márcio.

Márcio afirma que é preciso respeitar o tempo da criança autista. — Foto: Arquivo Pessoal/Márcio Costa

O preconceito ainda é um obstáculo

Além das dificuldades diárias, Márcio sente o impacto do preconceito. “A nossa maior dificuldade é o preconceito da sociedade. As pessoas olham torto quando ele tem uma crise no supermercado, mas nem tudo é crise, tem coisas que são só coisas de criança”, afirma.

Outro desafio foi encontrar um ambiente escolar adequado para Alberto. No ensino regular, a falta de mediadores capacitados tornou a adaptação difícil. “O Estado não está preparado para receber nossos filhos. Não é todo profissional que quer se capacitar para trabalhar com uma criança autista”, lamenta.

Hoje, Alberto estuda em uma escola especializada, onde recebe suporte adequado e já mostra avanços. “Ele está tendo acompanhamento melhor, já tem um desenvolvimento na fala e na escrita. Mas foi uma caminhada longa até aqui”, diz o pai.

O caminho até o diagnóstico

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) passa por várias etapas e pode levar anos. A psicóloga Lídice da Matta explica que tudo começa com a observação inicial, feita por pais, professores ou profissionais da saúde, que notam dificuldades na comunicação, interação social e comportamentos repetitivos. 

O pediatra realiza a triagem e pode encaminhar a criança para especialistas, como neuropediatras e psiquiatras infantis, que aplicam testes específicos. Além disso, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos analisam linguagem, cognição e desenvolvimento motor, chegando ao diagnóstico final com base nos critérios do DSM-5”, explica.

Para Márcio, esse processo não foi fácil. “A gente acha que sofre mais do que eles. Não é fácil. O pai e a mãe têm que ter a mente trabalhada também, porque não adianta tentar trabalhar o nosso filho com terapias e a gente não ter uma mente forte”, reflete.

A dificuldade de acesso ao acompanhamento

Mesmo com o diagnóstico, garantir um tratamento adequado foi uma batalha. “A terapia é muito complicada. Já fui muito para terapia com meu filho e não via resultado. Chegar na terapia, ficar 30 minutos, sair do plano de saúde, esperar uma hora… Isso é a realidade. E mesmo no plano de saúde, foi complicado. Muitas vezes, ele ficava esperando mais do que sendo atendido”, conta Márcio.

Ele também percebeu que cada criança tem um ritmo diferente e que um tempo reduzido de terapia nem sempre é eficaz. “Não é todo mundo que consegue desenvolver em 20 ou 30 minutos de terapia. Como você vai com uma criança no SUS e seu filho não tem nem uma hora para ser atendido?”, questiona.

Os benefícios da atividade física

Como educador físico, Márcio viu de perto o impacto positivo da atividade física no desenvolvimento de autistas. “Muitos autistas ficam em casa, no celular, sem se movimentar. Isso prejudica a coordenação motora e até o psicológico”, explica.

A musculação, segundo ele, auxilia na concentração e na disciplina. “Quando ele se movimenta, começa a perceber que é capaz. Muitos autistas têm medo de andar porque não praticam atividades físicas, ficam muito tempo sentados ou deitados. A musculação ajuda a recuperar esses movimentos e traz um desenvolvimento motor melhor”, diz.

Atividades físicas fazem parte da rotina de Miguel. — Foto: Arquivo Pessoal/Márcio Costa

Além disso, o treinamento funcional também contribui significativamente. “Trabalha coordenação motora, lateralidade, percepção visual. Muitos autistas nunca praticaram atividade física na infância. Quando começam, desenvolvem melhor essas habilidades”, acrescenta.

No dia a dia de trabalho, Márcio também percebe a importância da postura do profissional ao lidar com crianças autistas. “O autista sente segurança quando percebe que a pessoa que está no controle tem firmeza. O profissional que não impõe limites e faz tudo o que a criança quer não conquista essa confiança. Quando ele vê que você sabe o que está fazendo, ele começa a respeitar e gostar de você”, explica.

Mitos e verdades sobre o autismo

A psicóloga Lídice da Matta ressalta que ainda existem muitos equívocos sobre o TEA. “Um dos mitos mais comuns é a crença de que o autismo tem cura. Na realidade, o TEA não é uma doença, mas uma condição neurodivergente, ou seja, uma forma diferente de funcionamento do cérebro”, aponta.

Outro equívoco é acreditar que toda pessoa autista possui habilidades extraordinárias. “Embora alguns tenham talentos específicos, essa não é uma regra geral. Da mesma forma, há quem acredite que autistas não têm emoções, o que não é verdade. Eles sentem e expressam sentimentos, apenas de maneiras diferentes do que é considerado comum entre neurotípicos”.

Há também desinformação sobre as causas do autismo. “A teoria de que o TEA é causado por vacinas já foi desmentida por inúmeras pesquisas científicas. Outro mito prejudicial é a ideia de que o autismo resulta da falta de afeto dos pais. Estudos comprovam que o desenvolvimento do TEA não tem qualquer relação com a forma como a criança é criada”.

Para Márcio, a mudança precisa começar na sociedade. “O autismo não é um problema. O problema é a falta de compreensão”, conclui.

No items found.
Matérias relacionadas
Matérias relacionadas