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Dia do Jornalista: repressão, censura e desafios na história do jornalismo brasileiro; veja dados do AM

Em 2024, o Relatório da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) aponta 72 casos de violência contra jornalistas e veículos de comunicação no Brasil.

Escrito por
Clara Gentil
April 07, 2025
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Foto: Acervo / Instituto Vladimir Herzog

A violência contra jornalistas no Brasil tem raízes profundas, com registros que remontam ao assassinato do médico e jornalista Giovanni Battista Líbero Badaró, em 1830, por inimigos políticos. Em homenagem a ele, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) criou em 1931 o Dia do Jornalista, comemorado nesta segunda-feira, 7 de abril. No entanto, foi durante a ditadura militar que a repressão à profissão atingiu seu auge, com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975, aos 38 anos.

Em outubro de 2025 a morte do jornalista completa 50 anos, e a ABI o homenageou com o “Ano Vladimir Herzog”. Para César Queirós, coordenador do Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho na Amazônia (LABUHTA), embora o caso tenha se tornado o mais famoso, Herzog não foi o único a sofrer a violência do regime militar.

Nós temos casos não apenas de prisões arbitrárias, de tortura a jornalistas, mas também de mortes de jornalistas, sendo que o caso mais conhecido, o do jornalista Vladimir Herzog, assassinado nos porões da ditadura no ano de 1975. Embora seja o caso de assassinato de jornalista mais conhecido, a Comissão Nacional da Verdade conta com detalhes o assassinato de outros jornalistas. Por exemplo, Djalma Carvalho Maranhão, Ieda Delgado, Joane Vanini, Luiz Eduardo Merlino, Luiz Inácio Maranhão, são apenas alguns dos casos de jornalistas que também foram assassinados no Brasil no período entre 1964 e 1985”, relatou. 

Em março de 2025, Vladimir foi reconhecido como anistiado político. — Foto: Acervo/Instituto Vladimir Herzog

De acordo com o Instituto Vladimir Herzog, ele era diretor de jornalismo da TV Cultura quando foi assassinado. A versão oficial do Estado brasileiro à época, apresentada pelos militares, foi a de que o preso teria se enforcado com um cinto, nas grades de uma das celas do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI).

O Vladimir Zog, que em 1975 era o diretor do jornalismo da TV Cultura, foi preso pelos militares e levado ao Centro de Operações de Defesa Interna, em outubro do mesmo ano. A alegação era de supostas ligações com o Partido Comunista Brasileiro. Lá ele foi violentamente torturado e acabou sendo assassinado por meio das violações sofridas e o que foi divulgado à imprensa foi que Vladimir Herzog havia se suicidado”, explica Queirós. 

Foi somente em março de 2013, em uma audiência da Comissão Nacional da Verdade, em São Paulo, que a família do jornalista recebeu uma segunda certidão de óbito. No novo documento, passou a constar como causa da morte de Herzog “lesões e maus-tratos“, substituindo a versão de “asfixia mecânica”, divulgada pela ditadura militar à época.

Doze anos depois, no dia 18 de março de 2025, Vladimir Herzog foi reconhecido pelo governo brasileiro como anistiado político. 

Violência contra jornalistas 

Em 2024, o Relatório da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) sobre Violações à Liberdade de Expressão registrou 72 casos de violência não letal, envolvendo pelo menos 84 jornalistas e veículos de comunicação no Brasil. Apesar da redução de 54% no número de casos, os dados apontam que a cada cinco dias a imprensa brasileira sofre algum tipo de ataque

Os registros ficaram próximos dos de 2019, quando foram computados os menores números de violações ao trabalho jornalístico. Naquele ano foram 56 casos, envolvendo pelo menos 78 profissionais e veículos de comunicação.

Ainda de acordo com o levantamento, pela terceira vez desde 2012, não houve registro de assassinato de jornalistas brasileiros pelo exercício da profissão. Apenas em 2019, 2021 e 2024 a imprensa brasileira não sofreu violência letal

Quanto ao tipo de violação sofrida durante o trabalho jornalístico, o documento apontou as agressões físicas como líderes dos registros. Foram 23 casos contabilizados, 32% do total. Embora os registros representem uma queda de 96% no número de agressões físicas, pelo menos 28 profissionais da imprensa foram alvos de empurrões, tapas, socos e chutes. Em 43% dos casos, as vítimas eram jornalistas envolvidos em cobertura política, na maioria das vezes, das eleições municipais.

Cidades das regiões Norte e Sudeste lideram com os maiores índices de agressões físicas. Políticos e ocupantes de cargos públicos foram os principais autores das agressões, seguidos de policiais ou agentes de segurança.

Além da violência física, uma das principais formas de tentar intimidar o trabalho da imprensa, apontada pelo relatório, é a ameaça. Em 2024, oito casos foram registrados, 11 a menos que no ano anterior. Na maioria dos relatos houve ameaça de morte. Os profissionais de TV em coberturas políticas foram os principais alvos. 

Os casos de atentados (3), ofensas (9), roubos e furtos (7) mantiveram os mesmos números de 2023. Já os casos de censura voltaram a acontecer em 2024, com um aumento de 50% em relação ao ano anterior. Pelo menos cinco equipes de reportagem foram impedidas de realizar coberturas nas regiões Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Sul. 

O Relatório da ABERT apresenta ainda o levantamento sobre outros tipos de ataques e violações à liberdade de expressão no Brasil, como: 

  • Atentados;
  • Injúria;
  • Censura.

Enquanto houver um único jornalista atacado em função da atividade profissional, a liberdade de imprensa corre risco, assim como a democracia. Tais ações intimidatórias jamais serão o caminho para o aprimoramento de nossa sociedade, da liberdade de expressão e do Estado Democrático de Direito”, afirmou o presidente da ABERT, Flávio Lara Resende.

Violência contra jornalista no Brasil e no Amazonas

Dados alarmantes revelam o impacto dessa violência contra a categoria. Segundo o Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM), entre 1982 e 2023, foram registrados 2.053 casos de agressões a jornalistas no Brasil, sendo 52 deles no Amazonas

Fonte: Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura (OBCOM)

No estado do Amazonas, nós também enfrentamos a censura, o cerceamento à liberdade de imprensa, a perseguição e a prisão de jornalistas e todos aqueles que, de alguma forma, buscavam se opor ao autoritarismo e à violência da ditadura que se inicia em 1964”, disse César Queirós. 

Em 1965, os periódicos A Gazeta e o Trabalhista foram fechados pelo então governador do Estado, Arthur César Ferreira Reis.

Arthur César Ferreira Reis, interventor no Estado, no lugar do deposto Plínio Ramos Coelho, vai ordenar o fechamento de dois periódicos, o periódico Trabalhista e o periódico A Gazeta, ambos pertencentes ao grupo Difusão. O redator-chefe do jornal Trabalhista, que é o Manuel José Antunes, foi preso enquadrado na Lei de Segurança Nacional, isso em agosto, com vários outros redatores e editores destes dois periódicos”, afirmou. 

Em 1968 a revista “O Cinéfilo”, editada pelo Grupo de Estudos Cinematográficos também teve suas atividades interrompidas pela censura da ditadura militar. 

Fonte: Cineset 

O Brasil no mundo

No cenário mundial, o Brasil melhorou sua posição no ranking global de liberdade de imprensa. De acordo com a organização Repórteres sem Fronteiras, entre os 180 países pesquisados, o Brasil ocupa a 82ª posição, confirmando as expectativas de um quadro mais favorável para o exercício do jornalismo.

Vale lembrar que, em 2021, nosso país estava na chamada ‘zona vermelha’ da lista, ocupando a 111ª posição. 

Organizações internacionais que atuam em defesa da liberdade de imprensa apontam a normalização da relação entre jornalistas e o Poder Executivo após o fim do último governo, como um dos fatores para a diminuição das agressões contra a imprensa no país.

Já a UNESCO chama a atenção para o número de mortes de jornalistas em todo o mundo. Entre 2006 e 2024, mais de 1,7 mil profissionais da imprensa foram mortos, e cerca de 85% dessas mortes permanecem sem solução.

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