<p>Desde 2019, o governo Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional patrocinaram cinco grandes mudanças no teto de gastos, a principal regra fiscal do país, responsável por limitar o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.</p>
<p>As alterações somam um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação ao desenho original da regra, de acordo com um monitoramento realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão atrelado ao Senado Federal.</p>
<blockquote class="wp-block-quote"><p>"Essas mudanças significam que, nessa disputa entre o desejo de aumentar gastos e a regra que deveria conter essa ampliação, a regra se tornou o elo mais fraco. Ou seja, <strong>ela não passa a ser crível mais</strong>", avalia Daniel Couri, diretor-executivo da IFI. ” </p></blockquote>
<p>"Mexer tanto numa regra fiscal faz com que as pessoas não achem mais que ela vai segurar qualquer crescimento de despesa", acrescenta. </p>
<p>A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de "Kamikaze" foi a última grande mudança no teto de gastos. Ela foi aprovada pela Câmara dos Deputados em votação concluída nesta quarta-feira (13) e terá um custo de R$ 41,2 bilhões fora da âncora fiscal. </p>
<p>A PEC cria um estado de emergência e, entre as principais propostas, amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o benefício do vale gás e cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos. As medidas valem até 31 de dezembro deste ano. </p>
<h2>Perda de credibilidade fiscal </h2>
<p>Ao assumir o comando do país, a atual equipe econômica se comprometeu com a manutenção do teto de gastos e defendeu a redução de despesas obrigatórias. No primeiro ano da gestão Bolsonaro, o time do ministro Paulo Guedes teve sucesso ao obter, no Congresso Nacional, a aprovação da reforma da Previdência. </p>
<p>Mas as outras reformas acabaram ficando pelo caminho, como é o caso da administrativa, que reduziria os gastos com pessoal, e a tributária, que aumentaria o potencial de crescimento e arrecadação do país. </p>
<p>Com reformas travadas e eleições se aproximando em um cenário de pandemia e inflação elevada, governo e Congresso começaram a patrocinar uma série de investidas contra o teto de gastos. </p>
<blockquote class="wp-block-quote"><p>"Na virada do ano, em 1º de janeiro, de acordo com essa PEC (Kamikaze), o país teoricamente não terá mais esses benefícios em vigência, mostrando o caráter eleitoral da medida, que está sendo adotada a menos de 100 dias da eleição", afirma Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências. </p></blockquote>
<p>As pesquisas eleitorais mais recentesmostram Bolsonaro atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o que tem levado preocupação ao Palácio do Planalto.</p>
<blockquote class="wp-block-quote"><p>"Pequenas alterações que dão apenas uma sobrevida ao teto acabam prejudicando a regra em si, com uma qualidade pior e fazendo com que a regra não seja a âncora que deveria ser no médio e longo prazo", diz Juliana. "Hoje, o teto ainda é uma âncora, mas é uma âncora abalada."</p></blockquote>
<p>Em Brasília, porém, o discurso da equipe econômica é outro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem dito que a melhora de arrecadação observada nos últimos meses permite que o país amplie os seus gastos. </p>
<p>"Nós estamos repassando os excessos de arrecadação, nós estamos (repassando) os extraordinários resultados dos dividendos das empresas estatais. Nós estamos compartilhando com a população", afirmou Guedes na terça-feira. </p>
<p>Nem todo gasto realizado fora do teto é alvo de críticas dos especialistas em contas públicas: no início da pandemia, com o país em estado de calamidade pública, o Congresso aprovou o chamado "Orçamento de Guerra", o que permitiu separar as despesas emergenciais relacionadas à pandemia de coronavírus do Orçamento geral da União. </p>
<p>Com o "Orçamento de guerra", o governo não precisou cumprir exigências aplicadas ao orçamento regular, como a "regra de ouro", que impede a União de contrair dívidas para pagar despesas correntes, e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Dessa forma, a União pôde contar com crédito extraordinário para novos gastos, sem afetar o teto de gastos. Por ter sido uma manobra realizada dentro da regra do jogo, o montante do "Orçamento de guerra" não entrou no acompanhamento da IFI.</p>
<h2>Teto foi criado em 2016 </h2>
<p>Criado em 2016 pelo governo Michel Temer, o teto de gasto se transformou na principal âncora das contas públicas do país desde a sua implementação. </p>
<p>À época, a equipe econômica justificou a medida como uma forma de controle do rumo das finanças do governo. O Brasil gastava mais do que arrecadava, passou a acumular déficits primários sucessivos, e viu a dívida crescer. Com a piora das contas públicas, o país perdeu, em 2015, o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador e que assegurava a confiança dos investidores internacionais na economia brasileira. </p>
<blockquote class="wp-block-quote"><p>"Ele (o teto) se fez necessário por conta da trajetória ascendente (da dívida). Naquele momento, essa regra foi colocada para impor algum controle, alguma trava na trajetória de gastos e dar uma certa previsibilidade para onde iriam as contas públicas", diz Juliana. </p></blockquote>
<p>Sem uma âncora fiscal clara nos últimos meses, a economia brasileira passou a enfrentar sucessivos períodos de incerteza, o que provocou a desvalorização do dólar em relação ao real em diversos momentos. Desde que a PEC “Kamikaze” passou a ser discutida, por exemplo, o país viu a moeda norte-americana saltar do patamar de R$ 4,60 para R$ 5,40.</p>
<p>Na ponta, para o cidadão, um real desvalorizado pode se refletir em mais inflação e, consequentemente, em aumento da taxa básica de juros, o que encarece os empréstimos para as famílias e os investimentos para as empresas. </p>
<blockquote class="wp-block-quote"><p>"Quando o país mexe no teto de gastos, ele está turvando o cenário, adicionando muita incerteza, muito risco, o que faz com que o mercado comece a precificar todas essas questões", diz Juliana. </p></blockquote>
<p>"A nossa segurança jurídica, o ambiente de negócios mais seguro e atrativo, acaba sendo prejudicado, seja por uma taxa de câmbio mais alta, seja por uma taxa de juros mais alta."</p>
<h2>Relembre as mudanças já feitas no teto de gastos</h2>
<ul><li><strong>Setembro de 2019</strong></li></ul>
<p>O Congresso aprovou uma PEC que permitiu ao governo federal não contabilizar no teto de gastos as transferências federais para estados e municípios relacionadas à repartição da cessão onerosa do pré-sal. Ao todo, foram repassados R$ 46,1 bilhões fora do teto. </p>
<p>A cessão onerosa é o nome que se dá ao direito de contrato de exploração de petróleo em uma área do pré-sal. Antes das mudanças, os repasses dos recursos arrecadados com a cessão onerosa eram considerados uma despesa do governo, o que entrava na conta do teto</p>
<ul><li><strong>Março de 2021</strong></li></ul>
<p>A aprova��ão da PEC Emergencial abriu umespaço de R$ 44 bilhões fora do teto para o governo gastar. À época, o valor foi utilizado para bancar uma nova rodada do Auxílio Emergencial. </p>
<p>O governo condicionou a volta do auxílio à aprovação da PEC, porque ela criou mecanismos para tentar compensar esse gasto adicional. Passou a permitir que sempre que as despesas obrigatórias da União superassem 95% da despesa total sujeita ao teto de gastos, alguns gatilhos de contenção, para evitar descontrole fiscal, fossem automaticamente acionados. </p>
<p>Também proibiu o reajuste salarial de servidores e contratação de novos funcionários. </p>
<ul><li><strong>Dezembro de 2021</strong></li></ul>
<p>A PEC dos Precatórios provocou duas alterações no teto de gastos, com impacto de R$ 81,7 bilhões, de acordo com a IFI. Desse montante, o impacto de R$ 69,7 bilhões tem como origem a mudança no período de correção do teto, agora de janeiro a dezembro – antes, era corrigido com base na inflação registrada em 12 meses até junho do ano anterior. </p>
<p>A outra mudança tem a ver com o pagamento fora do teto de R$ 7,9 bilhões de precatórios (dívidas da União) do antigo Fundef – fundo educacional que foi substituído pelo Fundeb – e de R$ 4,1 bilhões com dívidas que o governo pagou com 40% de desconto.</p>
<ul><li><strong>Julho de 2022</strong></li></ul>
<p>A PEC Kamikaze cria benefícios sociais a poucos meses da eleição, que será realizada em outubro. O custo estimado fora do teto é de R$ 41,2 bilhões. A proposta amplia o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o benefício do vale gás e cria um voucher de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos. </p>
<p>Também prevê um auxílio para taxistas, compensação para os estados para atender a gratuidade de transporte para idosos, entre outros. </p>
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<p>Fonte: <a href="https://g1.globo.com/economia/de-olho-no-orcamento/noticia/2022/07/14/com-pec-kamikaze-teto-de-gastos-sofre-5a-alteracao-no-governo-bolsonaro-economistas-veem-perda-de-credibilidade.ghtml" target="_blank" rel="noreferrer noopener">g1</a></p>