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Aterro de Manaus: Licenciamento em APP e destruição de recursos

Uma discussão surgiu com o novo aterro sanitário de Manaus. Sua construção em uma APP gerou inconformidade e preocupação na população

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August 28, 2023
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Contaminação de recursos hídricos, solo e fuga de animais nativos. Essas são algumas das problemáticas que estão sendo discutidas sobre a construção do novo Aterro Sanitário de Manaus, e os impactos que o atual aterro causou devido a ineficácia do tratamento dado.

De acordo com laudos ambientais apresentados ao Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM), o local já contaminou o solo do aterro e águas ao redor.

No dia 14 de agosto deste ano, o TJ-AM deu 45 dias para a prefeitura apresentar um plano de implementação de um novo aterro sanitário para a cidade. 

O Diário da Capital entrou em contato com a Prefeitura de Manaus para perguntar sobre a notificação da Justiça, tempo de entrega e andamento do planejamento. Em resposta, a prefeitura informou:

“A Prefeitura de Manaus, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), informa que não foi notificada sobre a decisão e se manifestará nos autos do processo judicial”.

SEMMAS – Por se tratar da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, o Diário da Capital entrou em contato para saber quais medidas de cooperação entre ela e o órgão responsável seriam tomadas sobre o novo aterro, e recebemos como resposta:

“A SEMMAS não é responsável pelo aterro. Sugerimos que entrem em contato com a Secretaria Municipal de Limpeza Pública (Semulsp)”.

SEMULSP – Até o fechamento da matéria não recebemos uma resposta da secretaria. 

O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), responsável pelas licenças ambientais, informou em nota: 

“O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) esclarece que a construção e liberação do Licenciamento Ambiental do aterro sanitário da empresa Eco Manaus, localizado na BR 174, está em processo há 14 anos e que, durante esse período, todos os aspectos ambientais legais exigidos foram monitorados e tiveram sua execução acompanhada por este órgão ambiental”.

O órgão ainda informou que toda a obra passou pelo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), onde foram realizadas audiências públicas e análises. Descartando qualquer irregularidade em sua construção.

O Núcleo de Apoio Técnico do Ministério Público, que vai analisar o plano de mudança que deve ser encaminhado pela prefeitura, não respondeu aos questionamentos. 

O acórdão do julgamento feito pela Terceira Câmara Cível do TJ-AM, também diz que o atual aterro deve encerrar suas atividades até o dia 31 de dezembro de 2023. 

Engenharia Ambiental – Planejamento para redução de impactos

O Diário da Capital conversou com a engenheira ambiental, Karina Sales, especialista em Sistema da Qualidade e Licenciamento Ambiental, que explica mais sobre o processo para escolha de uma zona de aterro sanitário, impactos ambientais e outros temas relevantes para o atual momento do saneamento básico de Manaus, relacionado a coleta de resíduos.

De acordo com Karina, é possível reverter uma contaminação em nascentes de águas e lençóis freáticos. O problema não é somente a contaminação, mas os danos causados no local, causando o desaparecimento do corpo hídrico, fazendo com que possa ser irreversível a recuperação. Hoje, a principal preocupação de autoridades e da população é com a futura construção do aterro de Manaus próximo ao Igarapé do Leão, no Tarumã. 

É possível, mas muito trabalhoso e difícil. Leva tempo e o custo é alto. Depende do nível do contaminante, por isso é importante evitar que isso aconteça, protegendo as nascentes”, disse.

Localizado na BR-174, a área para a nova destinação de resíduos enfrenta resistência de vereadores, deputados e da sociedade civil organizada, que questionam a escolha. 

Conforme o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o licenciamento está em processo há 14 anos, e atende todas as normas ambientais legais. 

Karina Sales também fala sobre como acontece a seleção dos locais, e que tudo é analisado repetidamente, pois a partir do momento em que estiver pronto, a vida útil de um aterro sanitário é de 10 a 15 anos. 

“O mais indicado é aproveitar locais já explorados, distante das cidades e vizinhança, de rápido e/ou fácil acesso para a logística dos resíduos, distante de aeródromos, próximo de jazidas de argila para a fácil remoção e aplicação no processo do aterro, local com estrutura para a realização da obra com constantes adaptações, manutenções e que não sejam áreas que podem causar grandes impactos ambientais e difícil tratamento, pois o impacto ambiental vai acontecer”, explica a profissional. 

Como funciona o aterro e quais os impactos? 

Especialista em licenciamento ambiental, Karina fala sobre o funcionamento, e os impactos ambientais começam logo no início da construção.

“Para um funcionamento eficiente, o Aterro Sanitário deve começar com construção de impermeabilidade (proteção com mantas ou outro tipo de proteção no solo) para não infiltrar no solo o chorume; Canaletas de coleta do chorume, para destinar ao tratamento do efluente, nesse processo deve ter uma Estação de Tratamento de Efluente (ETE).

Controle do que realmente pode aterrar no aterro, de preferência o que for mais rápida e fácil decomposição e também não serem produtos perigosos, químicos”.

Deve possuir processo de separação por tipo de resíduos, no caso uma Central para Triagem dos Resíduos antes de serem aterrados, com apoio de cooperativas e outras empresas, para direcionar à reciclagem, o que não for possível reciclar segue para o aterro e se for químico e perigoso deve ir para outro tipo de tratamento: co-processamento, térmico ou outro método. 

“Os impactos iniciam com a construção do empreendimento e depois continuam com a operação do Aterro. De imediato altera o habitat dos animais e das comunidades ao redor, pois ocorre o desmatamento, ruídos e vibração com a movimentação dos equipamentos, assoreamento de nascentes nas proximidades da obra e atração de outros animais indesejáveis”.

Ela ressalta que a médio e longo prazo, alguns dos impactos são – contaminação do solo e rios, desaparecimento e evacuação de espécies, emissão de gases nocivos à saúde, efeito estufa e doenças que podem atingir pessoas próximas e que tenham contato com o local. 

Claro que com os controles e monitoramentos adequados é possível reduzir esses impactos ambientais”, afirma.

Movimentação na CMM e ALEAM

A construção do novo aterro seria em uma Área de Proteção Permanente (APP), na BR-174, próximo ao Igarapé do Leão, um dos maiores afluentes do Rio Tarumã, colocando as águas em iminente perigo de contaminação. 

Esse fator de risco acendeu um alerta nos parlamentares da Câmara Municipal de Manaus, que já informaram que vão acionar o Ministério Público do Estado (MPE-AM) contra a obra. 

Conforme o vereador Lissandro Breval (Avante), é preciso pedir explicações de como a empresa Marquise conseguiu licenças ambientais para atuar no gerenciamento dos resíduos do aterro, já que é obviamente prejudicial ao Igarapé do Leão. 

“Acontece neste momento um crime ambiental. Várias máquinas estão trabalhando dia e noite com o intuito de criar o novo aterro sanitário, onde existe a nascente do igarapé do Leão. Temos que lutar contra a obra, vão acabar com o Tarumã, que será contaminado. É um absurdo!”, disse o parlamentar.

Ainda conforme Breval, estudos ambientais realizados por pesquisadores da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) informam que a coleta e tratamento de chorume utilizado em Manaus, não é eficaz o suficiente. 

Caio André, presidente da CMM, afirmou que vai oficiar o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), para pedir esclarecimentos sobre o processo de licenças ambientais da construção. 

“Não é possível que haja permissão de uso daquela área que, inclusive, não é só uma APP, mais do que isso, está em cima de uma das principais nascentes do Tarumã [...] Isso é inadmissível”, afirmou Caio André.

Na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), o deputado Sinésio Campos (PT) disse que na próxima quarta-feira, 30 de agosto, a partir das 13h, um debate sobre o tema vai acontecer, com a prefeitura de Manaus sendo convocada, junto ao governo do estado e órgãos fiscalizadores, para saber o que está sendo feito para resolver o problema da destinação do lixo de Manaus. 

Riscos ambientais e para vida humana

Como relatado pelo TJ-AM, a ineficiência do tratamento dado ao atual aterro está causando prejuízo ambiental, e poluindo recursos hídricos em volta do terreno, mas o caso poderia ser ainda pior, caso o local não tivesse sido projetado com maior rigor. 

Como dito anteriormente, a sociedade e representantes parlamentares estão contra a construção. Eles afirmam que a área escolhida é uma Área de Preservação Permanente (APP), onde existe as águas e nascente do Igarapé do Leão, tornando a construção ilegal. 

Além do impacto ambiental, Aterros Sanitários correm o risco de deslizamento, devido a fatores externos, mas que podem ser levados em conta em seu projeto. 

Em julho de 2022, o aterro Fazenda Rio Grande sofreu um deslizamento, que causou a morte do trabalhador João Cubis, 41 anos. Ele foi encontrado soterrado pela avalanche de lixo que escoou durante o acidente. 

Laudos apresentados pela Estre Ambiental, responsável pelo gerenciamento, informaram que chuvas intensas, acúmulo de gases e umidificação das coberturas das camadas superiores e afundamento causado por aumento de pesos dos resíduos devido ao fluxo de água foram os causadores do deslizamento. 

Ao analisar os pontos apresentados, fica claro que o desastre poderia ter sido evitado caso houvesse um planejamento melhor do tratamento dos resíduos e de alternativas para as chuvas que atingiam a região a dias. 

Apesar disso, a empresa informou que seus dispositivos de registro, medição, monitoramento e reporte estavam funcionando dentro dos parâmetros recomendados. 

Além da vida perdida, uma área de mata do tamanho de um campo de futebol e meio, foi afetada pelos resíduos. 

Assim como a Área de Preservação Permanente (APP) de Manaus, onde o novo lixão está sendo construído, o aterro de Fazenda Rio Grande também está localizado próximo a um rio, o que poderia causar contaminação caso o lixo continuasse avançado com o deslizamento.  

Você sabe o que é uma APP e seu objetivo? 

A APP está amparada pela lei 12.651/2012, e busca proteger vegetação nativa, recursos hídricos, geológicos e biodiversidade. A escolha para um local de APP tem suas características descritas na lei 12.727/2012, que indica, entre as muitas observações, que são consideradas APP faixas marginais de qualquer curso d' água natural, perene e intermitente, sendo:

Inciso IV - As áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros; (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012).

O que seria o caso do Igarapé do Leão, por sua proximidade com o local para destinação de resíduos. 

“Porém o Código Florestal permite a instalação de empreendimentos no caso de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta lei”, reforça a engenheira ambiental, Karina Sales.

Saberemos o desfecho apenas quando a prefeitura se manifestar à Justiça e, caso novas análises indiquem um impacto ambiental grave, a obra pode ser interrompida. Fica a torcida para que o meio ambiente não saia perdendo mais uma vez.

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