O que parece um jogo inofensivo, com cores vibrantes e jogabilidade intuitiva que estimula o cérebro de jovens e adultos, se revelou um problema sério que afeta milhões de brasileiros. Entre os mais populares está o jogo conhecido como “Tigrinho” ou “Fortune Tiger”, que se tornou um fenômeno nacional ao envolver artistas e influenciadores em polêmicas que vão desde ganhos milionários até crimes e suicídios.
Uma moradora de 39 anos do bairro Alvorada, em Manaus, que prefere não se identificar, compartilhou com a equipe do Diário da Capital a sua experiência com o vício nas apostas. “Eu jogava, sim. Apostava todo o dinheiro que eu tinha, 25, 50 reais… Mas todo mundo que joga e perde quer recuperar”, afirmou. Como muitos outros brasileiros, ela foi atraída pela promessa de ganhos fáceis e acabou se envolvendo em um ciclo vicioso de perdas e tentativas de recuperação do dinheiro por meio dos jogos.
Após controvérsias, o “Tigrinho” foi considerado ilegal no Brasil, conforme a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/1941), que proíbe a promoção de jogos de azar. No entanto, ele é apenas um dos mais de 2 mil sites de apostas online que operam no país. Essas plataformas ficaram conhecidas popularmente como “Bets”, em referência ao termo em inglês “bet”, que significa apostar.
Impactos na saúde mental e na vida social
O vício em apostas online é considerado um problema social grave. A psicóloga Patrícia Azevedo explica que esse comportamento é classificado como um transtorno do controle dos impulsos, levando a uma compulsão que pode comprometer a vida financeira, social e emocional dos jogadores.
“O vício em apostas online é impulsionado pelo sistema de recompensa do cérebro, que reforça o comportamento vicioso. As consequências são severas: isolamento social, perda de interesse em outras atividades, uso de mentiras para sustentar o vício e, em alguns casos, até endividamento. Além disso, há um aumento da ansiedade, do estresse e, em situações mais extremas, quadros de depressão severa, acompanhados por sentimentos de culpa e vergonha”, explica a especialista.
Os impactos não se limitam ao indivíduo. Conflitos conjugais, dificuldades financeiras e perda de produtividade no trabalho são algumas das consequências que afetam toda a família. “O tratamento para esse tipo de dependência exige acompanhamento psicológico, sendo a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) uma das abordagens mais eficazes”, descreve a psicóloga. “Além disso, grupos de apoio e, em alguns casos, o uso de medicamentos estabilizadores de humor podem ser recomendados para ajudar na recuperação”, complementa.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) inseriu o vício em jogos virtuais na Classificação Internacional de Doenças desde 2018, antes das apostas online se tornarem um problema de saúde psicológica no Brasil.
Região Norte
Uma pesquisa realizada pelo PoderData em outubro de 2024 revelou que 37,4 milhões (24%) de brasileiros já apostaram dinheiro em jogos online que prometem grandes prêmios. O maior número de endividados por conta de apostas está na região Norte (22%) do Brasil, o que coincide com os índices de escolaridade mais baixos do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As principais vítimas desse mercado são pessoas de baixa renda, muitas vezes iludidas por propagandas enganosas e pela influência de influenciadores que promovem virtualmente as plataformas de apostas. A falsa promessa de dinheiro fácil acaba levando muitos jogadores a perderem quantias significativas e, em casos mais graves, comprometerem suas vidas financeiras.
Pauta política
Diante da crescente preocupação com os impactos das apostas online nos mais jovens, o tema chegou à Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam). A deputada estadual Débora Menezes (PL) propôs o Projeto de Lei “Fim de Jogo”, que busca instituir uma campanha educacional no âmbito da Secretaria de Estado de Educação e Desporto Escolar (Seduc). O objetivo é conscientizar crianças e adolescentes sobre os riscos dos jogos de azar e seu impacto no desempenho escolar e na saúde mental.
“A ansiedade em ganhar dinheiro fácil por meio das apostas tem atingido cada vez mais jovens. Além das perdas financeiras e do vício, essas plataformas prejudicam o foco nos estudos e o desenvolvimento saudável”, destacou a parlamentar.
O projeto já recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da Aleam e será analisado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) na retomada dos trabalhos legislativos, dia 3 de fevereiro. Além dessa iniciativa, outras propostas estão em tramitação, como o PL nº 662/2024, do deputado Rozenha (PMB), que estabelece diretrizes para a prevenção e o combate à dependência causada pelas apostas esportivas.