A Procuradoria Geral da República (PGR) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja anulado trechos de uma lei do Amazonas que facilitam o licenciamento de empreendimentos considerados com potencial poluidor ou degradador reduzido, sem prévio estudo de impacto ambiental, além de outros pontos que afrontam normas federais e princípios constitucionais. De autoria do Governo do Amazonas, a Lei 3.785/2012 cria dois tipos de licença: a Licença Ambiental Única (LAU) e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que não estão previstos na resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a quem compete regulamentar o tema em todo o país.
Para o procurador-geral da República, Augusto Aras, trata-se de inovação indevida do licenciamento ambiental, pois a legislação brasileira já estabelece as etapas do processo: licença prévia, licença de instalação e licença de operação. O procurador é contrário à autonomia total dos estados, para regulamentação de licenças, tendo em vista o impacto dos desmatamentos. “Ao criar normas de licenciamento mais permissivas, a lei amazonense fere compromisso internacional assumido pelo Brasil, que proíbe o retrocesso em direitos fundamentais já conquistados, como a garantia ao meio ambiente equilibrado”, apontou.
Entre os empreendimentos e atividades que podem ser licenciados com a LAU estão a fabricação de telhas, tijolos e outros artigos de barro cozido, fabricação e/ou montagem de fios, cabos e condutores elétricos e fabricação de artefatos de madeira torneada. A LAC é para instalação e a operação de atividade ou empreendimento do setor primário, de porte micro/pequeno, e com potencial poluidor degradador até médio.
Ainda de acordo com o procurador, diversos dispositivos da lei – alterados por outras legislações estaduais publicadas entre 2021 e 2022 – invadem a competência da União para editar normas gerais de proteção e responsabilidade por danos ao meio ambiente. Para atender às peculiaridades locais, a Constituição admite que os estados e o Distrito Federal editam regras ambientais complementares, desde que sejam mais protetivas do que as estabelecidas em âmbito federal, o que não ocorre nos dispositivos questionados.
Na ação, o procurador-geral da República destaca que, no ordenamento jurídico brasileiro, não há previsão de “licença ambiental única” com dispensa de obtenção das demais licenças. “Não se pode suprimir as etapas e as respectivas licenças, sob pena de fragilizar a proteção do meio ambiente”, pontua o PGR.
Segundo Augusto Aras, embora a legislação federal admita a possibilidade de simplificar o processo de licenciamento, trata-se de uma hipótese excepcional, prevista apenas para atividades de pequeno potencial de impacto ambiental, ao contrário do que estabelece a lei do Amazonas. Tanto que o STF, em casos similares, já declarou inconstitucionais leis estaduais que autorizavam a simplificação do procedimento, ou a concessão de licenças únicas para empresas de risco médio, assim como prevê a regra amazonense contestada.
Outras violações
Ainda conforme a nota da PGR, outro dispositivo da Lei 3.785/2012 dispensa a concessão de licença ambiental para empreendimentos considerados de potencial poluidor ou degradador reduzido. Uma alteração recente na norma afastou a necessidade de o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) verificar previamente o grau de impacto poluidor das empresas beneficiadas com a dispensa do licenciamento. Segundo Aras, nenhuma legislação estadual pode afastar a concessão do documento. “Se determinada atividade é considerada poluidora, nenhuma legislação estadual pode dispensar o licenciamento ambiental. Estados e municípios não podem reduzir ou flexibilizar a exigência contida em norma geral federal”, ressalta.
Outro ponto questionado na lei é o que afasta a necessidade de validação de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para a concessão de autorizações ou licenças ambientais a atividades que envolvam supressão de vegetação nativa em propriedades rurais. O Código Florestal prevê como requisito obrigatório a inscrição no CAR para que o proprietário de imóveis rurais obtenha acesso a programas de regularização ambiental e a créditos agrícolas perante instituições financeiras.
No entanto, as informações são inseridas no cadastro pelo próprio proprietário e, portanto, precisam ser analisadas e validadas pelo órgão ambiental competente para verificar se não há sobreposição com áreas de reserva legal, de preservação permanente, nativas, entre outras. Ao dispensar essa validação prévia, segundo o PGR, a lei do Amazonas contraria a legislação federal e enfraquece a proteção estatal do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Pedidos
Na ação, o PGR requer que o Supremo conceda liminar para suspender os dispositivos da Lei 3.785/2012 do Amazonas que afrontam a Constituição, visto que ela altera o regime jurídico de proteção do meio ambiente, com riscos de causar danos ambientais imediatos e irreparáveis na região. Além disso, ao prever um tipo indevido de licenciamento a empreendimentos com potencial poluidor – e até dispensa do documento – a norma pode afetar vastos ecossistemas e populações que vivem no estado. No mérito, Aras pede que os trechos sejam declarados inconstitucionais por violarem os princípios da proporcionalidade, da prevenção, da precaução, e a competência comum dos entes federados para a proteção do meio ambiente, entre outros.