Por Letícia Misna & Rhyvia Araújo
No dia 5 de setembro de 1850, o então imperador do Brasil, Dom Pedro II, assinou um decreto para que a Capitania de São José do Rio Negro deixasse de pertencer à Província do Grão-Pará, transformando-se em Província do Amazonas.
Atualmente, no maior estado do Brasil, a semana da pátria celebra não apenas a independência do Brasil, em 7 de setembro, como a independência do Amazonas, em 5 de setembro, e é comum que o feriado se estenda por pelo menos três dias, já que o dia 6 fica vagando pelo meio.
IMPÉRIO
No último dia 23 de agosto, um decreto assinado por Wilson Lima, publicado no Diário Oficial do Estado, levantou questionamentos: o governador transferiu a folga do dia 5 (terça-feira) para o dia 8 (sexta-feira), retirando, portanto, a possibilidade de usar o dia 6 como ponto facultativo para repartições públicas, autarquias e fundações do Estado.
Como justificativa, o documento alega que o “funcionamento da Administração Pública Estadual, em dias alternados, durante toda semana, tende a prejudicar a produtividade e a eficiência dos serviços públicos prestados à população amazonense”.

REPÚBLICA
De acordo com a advogada Simone Rosado, especializada em Direito Público, a ação de Wilson Lima foi ilegal, já que um decreto não pode alterar uma lei.
“Existe no Direito uma hierarquia normativa e, de fato, não é possível modificar lei por meio de decreto. Então o governador não poderia alterar o feriado instituído por lei, mediante decreto. No entanto, devo dizer que não é a primeira vez que isto acontece, posto que à época da COVID, os feriados foram antecipados em alguns estados”, afirma.
Chamada de “Pirâmide de Kelsen”, a hierarquia normativa, à qual refere-se Simone, no Brasil segue a seguinte ordem: Constituição Federal e emendas constitucionais promulgadas, leis complementares, leis delegadas, leis ordinárias, decretos–lei, regulamentos, tratado, acordos, atos, convenções Internacionais após decretos legislativos, costumes e doutrina, jurisprudência, decretos, medidas provisórias, resoluções, portarias, instruções normativas e contratos em geral.
“Se o Decreto tivesse se limitado ao disposto no item II, que trata do expediente nas repartições públicas, poder-se-ia falar em organização administrativa do Estado. No entanto, no item I, o Decreto posterga o usufruto do feriado, sem limitar tal ato ao servidor público estadual”, ressalta a advogada, ao ressaltar que o texto foi escrito de forma dúbia, com duas interpretações cabíveis, podendo dar a entender que se aplica apenas aos servidores públicos estaduais ou a todos.
Apesar da ilegalidade do ato de alterar uma lei com decreto, Simone explicou que não quer dizer que o governador tenha agido com improbidade ou cometido um crime. “No máximo, é passível de nulidade se alguém se sentir prejudicado. Porque claramente o objetivo da medida é o bem comum. A diminuição dos gastos públicos. Nem toda ilegalidade cometida pelo agente público é necessariamente um ato de improbidade ou um crime”.
DEPUTADOS IGNORAM HIERARQUIA NORMATIVA
A suposta violação de Wilson Lima, no entanto, passou despercebida pelos Deputados Estaduais da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), que caracterizaram a mudança como “normal”, além de ressaltarem que Lima tem autoridade para alterar o dia do feriado.
O presidente da Casa Legislativa, deputado Roberto Cidade (União Brasil), sustentou que a ação, por não ser definitiva, não fere a Lei n.º 25, de 9 de dezembro de 1977*. Ele ainda acrescentou que a mudança foi feita pensando na indústria. “Foi neste ano para que não se perdesse a semana toda, principalmente por conta da indústria, que perderia uma semana de produção”, disse o deputado.
Em entrevista ao Diário da Capital, os deputados Adjuto Afonso (União Brasil) e Sinésio Campos (PT), assim como Roberto Cidade, também ignoraram a hierarquia normativa e destacaram que a mudança não é ilegal.
“O que o governo está fazendo é transferindo aqueles serviços do estado para o dia 8. Se dia 5 os serviços essenciais do Governo vão funcionar, ele (Wilson Lima) pode transferir isso para o dia 8, só os serviços essenciais, o feriado vai continuar”. Perguntado se Lima possui o direito de alterar o dia, Afonso assegurou que Wilson Lima “pode fazer o decreto, até porque ele está remanejando os serviços essenciais”.
Sinésio Campos foi na mesma linha e destacou que não há ilegalidade, tendo em vista que o restante dos deputados estaduais se “manifestaram favoráveis” à mudança.
PROCURADORIA GERAL DO AMAZONAS
A Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM) também foi questionada sobre o assunto, mas até o fechamento desta matéria não havia respondido.
*O decreto de Wilson Lima afirma que a Lei n° 25 foi promulgada em 9 de dezembro de 1977, no entanto, no sistema da Aleam a Lei n° 25 consta com data de promulgação em 21 de dezembro de 1977.