Meio Ambiente

Comércio digital de mercúrio vira alvo no combate ao garimpo ilegal na Amazônia

Lançado em 2024, o projeto ‘Rede Sem Mercúrio’, do Ministério Público Federal, já resultou na remoção de milhares de anúncios de mercúrio em sites de comércio eletrônico

Escrito por Redação
13 de outubro de 2025
Foto: Divulgação

O comércio de mercúrio metálico em plataformas digitais tornou-se um dos principais alvos do Ministério Público Federal (MPF) na luta contra o garimpo ilegal na Amazônia. Para isso, o órgão lançou o projeto ‘Rede Sem Mercúrio’, em fevereiro de 2024, resultando na remoção de milhares de anúncios ilegais, na formalização de acordos com grandes empresas de e-commerce e na revisão de políticas de plataformas como Mercado Livre, OLX, Facebook, Instagram, YouTube, Alibaba.com e B2Brazil.

A iniciativa nasceu a partir de investigações conduzidas pelo 2º Ofício Socioambiental da Amazônia Ocidental, que identificou um expressivo volume de anúncios de mercúrio líquido voltados à atividade garimpeira ilegal nos estados do Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia. O MPF apurou que o produto, em sua maioria contrabandeado da China, é comercializado por meios digitais e destinado a regiões com alta incidência de mineração clandestina.

Impactos ambientais e sociais

Dados do Projeto MapBiomas apontam que, em 2022, mais de 263 mil hectares foram ocupados por garimpos no Brasil, 92% deles na Amazônia. Destes, 77% estão próximos a corpos d’água, elevando o risco de contaminação por mercúrio. A substância é altamente tóxica, capaz de causar danos irreversíveis à saúde humana, especialmente ao sistema neurológico, e comprometer a biodiversidade aquática.

Estudos do MPF revelam níveis alarmantes de mercúrio na água, no solo e em peixes da região, afetando comunidades indígenas e ribeirinhas, com impactos que extrapolam as áreas diretamente atingidas pela mineração ilegal.

Ações judiciais e acordos com plataformas

Como resposta, o MPF firmou Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com diversas plataformas digitais para proibir a veiculação de anúncios relacionados ao comércio ilegal de mercúrio. Entre as medidas adotadas estão:

  • uso de inteligência artificial para identificar anúncios suspeitos;
  • prazos específicos para remoção de conteúdo;
  • criação de canais de denúncia. 

As empresas também se comprometeram a acompanhar e revisar suas políticas internas.

Confira as principais medidas adotadas:

  • Mercado Livre e OLX firmaram TACs com vigência de três anos e removeram todos os anúncios de mercúrio.
  • Facebook e Instagram acataram integralmente a recomendação do MPF; os marketplaces da rede social estavam sendo usados para abastecimento de garimpos ilegais.
  • Alibaba.com, B2Brazil e YouTube/Google Brasil também adotaram medidas de remoção de conteúdo e controle preventivo.
  • Outras plataformas internacionais, como Made-in-China e Global Sources, seguiram as recomendações e eliminaram anúncios ativos.

Além da esfera cível, o projeto impulsionou a abertura de investigações criminais contra usuários e vendedores nas plataformas, com pedidos de busca, apreensão e quebra de sigilo autorizados pela Justiça.

Pressão legislativa e mudanças regulatórias

O MPF também vem pressionando por mudanças regulatórias. Recomendou ao Ibama a revisão da Instrução Normativa nº 26/2024, que ainda permite, com exceções, o uso de mercúrio por pessoas físicas licenciadas. Para o MPF, a proibição deve ser total, independente da licença.

No Amazonas, leis estaduais que permitiam o uso restrito do mercúrio foram revogadas após recomendação do órgão, em consonância com a Convenção de Minamata, tratado internacional do qual o Brasil é signatário desde 2013, que busca eliminar gradualmente o uso de mercúrio em atividades extrativistas.

Além disso, o MPF recomendou à Agência Nacional de Mineração (ANM) e a órgãos ambientais de estados da Amazônia que anulem licenças ambientais concedidas sem critérios técnicos claros, especialmente aquelas que não exigem especificação da técnica de beneficiamento do ouro. O uso de mercúrio sem autorização do Ibama deve, segundo o órgão, ser motivo de nulidade da licença.

Prejuízos bilionários ao meio ambiente

O setor de perícia do MPF desenvolveu uma fórmula para mensurar os danos causados pela mineração ilegal: cada quilo de ouro extraído de forma clandestina na Amazônia gera, no mínimo, R$ 1,7 milhão em prejuízos ambientais. Em casos mais graves, o valor pode chegar a R$ 3 milhões, considerando os impactos e o tempo estimado (42 anos) para a recuperação das áreas degradadas.

Modelo replicável

Segundo o procurador da República André Porreca, responsável pelo projeto, a experiência do ‘Rede Sem Mercúrio’ pode servir de modelo para enfrentar outras práticas ilegais no ambiente digital, como o tráfico de animais silvestres e a venda de medicamentos proibidos.

“A atuação do MPF combina instrumentos cíveis, extrajudiciais e penais para demonstrar que o ambiente virtual não é terra de ninguém. É uma resposta do Estado brasileiro à altura dos desafios ambientais globais”, afirma Porreca.

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