<p>Cemitérios públicos de Maceió estão à beira de uma crise. Com uma rede de cemitérios antigos, e um deles interditado pelo afundamento no solo, Maceió enfrenta um colapso funerário pela falta de vagas para sepultamentos, obrigando que enterros sejam feitos em covas rasas entre os túmulos e jazigos. Das 1.065 pessoas enterradas em 2023 nos oito cemitérios administrados pela prefeitura da capital alagoana, 861 foram sepultadas de forma precária diretamente na terra. Ou seja, 8 em cada 10 mortos não tiveram um enterro digno.</p>
<p>A cidade dispõe de oito cemitérios públicos, um deles, o Santo Antônio, foi interditado em 2020 para enterros por causa do afundamento do solo. O cemitério Santo Antônio fica localizado no Bebedouro, um dos quatro bairros que tiveram de ter quase todos os cerca de 60 mil moradores removidos de suas residências devido ao afundamento de solo causado pela empresa petroquímica Braskem. A empresa trabalhava havia mais de 40 anos com a extração de salgema no solo abaixo desses bairros.</p>
<p>Com a desapropriação, o Cemitério Santo Antônio apenas foi liberado para visitação um ano depois. As famílias que possuíam jazigos no local se encontram desamparadas e tiveram de buscar outros cemitérios da capital, aguardando dias para enterrar os entes queridos em covas rasas e distantes dos familiares que estão em jazigos.</p>
<p>“A situação de todos que moraram ali [no Bebedouro], todos muito carentes, é que muitos não tinham condição de pagar um plano funerário. Então, vai falecendo e vai quebrando a cabeça para enterrar”, conta Jackson Douglas, ex-morador do Bebedouro que faz parte do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB).</p>
<p>Vale também lembrar que ao longo dos últimos 50 anos, não houve construção de novos cemitérios públicos, e todos estão superlotados. Com a chegada da pandemia o número de enterros na cidade aumentou, gerando ainda mais superlotação. Como a remoção de restos mortais para ossários só pode ocorrer após três anos, só agora que começam a ser liberadas novas vagas.</p>
<h2>Desigualdade</h2>
<p>O colapso tem distinção de classe e atinge as pessoas mais pobres. Há dois cemitérios particulares com vagas em Maceió, mas o preço para enterrar neles gira em torno de R$ 10 mil, fora a necessidade de pagar taxas anuais de manutenção.</p>
<p>“Se não tiver uma amizade, sabe como é. Se tiver um plano funerário, enterra no Parque das Flores, o que é muito raro, mas se não tiver, o ‘aperreio’ é esse aí. O cemitério público já está escasso. Não tem condições de sepultar mais ninguém, principalmente o São José”, explica o ex-morador.</p>
<h2>Autorização</h2>
<p>O maior cemitério da cidade, o São José, localizado no bairro do Trapiche, tem mais de uma centena de covas rasas de enterros feitos entre 2022 e este ano. As covas foram abertas nas ruas entre os túmulos mais antigos do local. Algumas delas sequer têm indicação do nome da pessoa falecida. Dos 618 enterros de janeiro até 18 de maio no local, 510 foram em cova rasa.</p>
<p>Um funcionário do local explicou que, para alguém não ser enterrado em cova rasa, é preciso ocupar a vaga de um corpo já sepultado. Isso só é possível para quem tem familiares enterrados há muito tempo lá e autorizam a ação.</p>
<h2>Espera angustiante</h2>
<p>São muitos os relatos de pessoas que aguardaram até quatro dias para conseguir um local para enterrar os seus familiares em um dos oito cemitérios administrados pela Prefeitura de Maceió. Depois de uma longa e angustiante espera, por fim elas têm de ver o seu ente baixado a uma reles cova rasa.</p>
<p>Esse é o caso da Débora Tenório Cavalcante, viúva de Ery Feitosa, que faleceu no dia 23 de abril deste ano, mas só foi enterrado no dia 26, somando quase quatro dias de espera por uma vaga. O sufoco não era esperado pela família, que possuía jazigo no Cemitério Santo Antônio, interditado em outubro de 2020.</p>
<p>“Foi muito ruim a gente ter que esperar mais tempo do que o devido para poder fazer [o enterro] sem um pingo de respeito. A irmã dele foi lá [na Central Única de Sepultamentos] e não conseguiu vaga, ficavam jogando para lá e pra cá. E tudo pra conseguir uma vaga no [cemitério] São José, numa cova rasa, rasíssima, que não dava nem para fazer aquele ‘montinho’ de terra. Uma coisa muito constrangedora para a família”, relata a viúva.</p>
<p>Outro caso que causou revolta e indignação entre os familiares foi o de Maria de Lourdes, ex-moradora do Bebedouro. Ela morreu aos 78 anos e a família possuía jazigo no cemitério Santo Antônio, mas não pôde usá-lo, tendo de sepultá-la em cova rasa no Cemitério São José, o maior da capital.</p>
<p>Segundo Aline Karine, neta da Dona Lourdes, a avó foi adoecendo ainda mais devido às preocupações com a espera pela indenização da Braskem. “Ela já tinha diabete e acabou tendo que amputar uma perna por isso, mas era muita preocupação por [esperar] esse dinheiro da Braskem, porque ela queria comprar a casa dela, e acabou falecendo no primeiro AVC que ela teve”, disse Aline.</p>
<h2>Recomendação conjunta</h2>
<p>Diante da iminente ameaça de colapso dos cemitérios públicos de Maceió, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado de Alagoas (MP/AL) e a Defensoria Pública da União (DPU) emitiram uma recomendação conjunta direcionada à Braskem, ao Município de Maceió e ao Gabinete de Gestão Integrada para a Adoção de Medidas de Enfrentamento aos Impactos do Afundamento dos Bairros (GGI dos Bairros).</p>
<p>O objetivo dessa recomendação é garantir a implementação de todas as medidas necessárias para o restabelecimento das obras de ampliação do Cemitério São Luiz, bem como elaborar e informar o plano para o ressarcimento definitivo do Cemitério Santo Antônio, com o respectivo cronograma.</p>
<p>De acordo com as instituições, o aumento da área do cemitério, localizado no bairro Santa Amélia, é uma medida essencial, embora paliativa, para amenizar os impactos da interrupção dos sepultamentos no Cemitério Santo Antônio, situado no bairro de Bebedouro, afetado pelo afundamento do solo causado pela exploração de sal-gema realizada pela empresa Braskem em Maceió.</p>
<p>Os representantes do MPF, MP/AL e DPU ressaltam a necessidade de adoção de medidas efetivas e urgentes enquanto uma solução definitiva para o problema dos sepultamentos não for implementada.</p>
<p>O Município e a Braskem têm um prazo de 15 dias para informar formalmente se acolheram a Recomendação, além de apresentar as providências que estão sendo adotadas para seu cumprimento, juntamente com a documentação que comprove essas medidas.</p>
<h2>Contexto</h2>
<p>As instituições já haviam solicitado à Prefeitura informações atualizadas sobre a situação dos sepultamentos públicos no município e as medidas adotadas. No entanto, até o momento, não houve resposta.</p>
<p>Diante disso, a recomendação emitida considera que anteriormente o GGI dos Bairros informou às instituições que foi acordado entre a Prefeitura de Maceió e a Braskem, como uma medida provisória, o aumento da área do Cemitério São Luiz, por meio da desapropriação de um terreno vizinho, cujo custo seria coberto pela Braskem como indenização. O processo de desapropriação estaria próximo da finalização, aguardando as formalidades legais necessárias.</p>