Justiça

Caso Tadeo Kulina: MPAM reabre inquérito sobre morte de indígena em Manaus e dá 90 dias para nova apuração

A medida foi tomada após pedido da Defensoria Pública, que apresentou novos elementos que indicam possível envolvimento humano no caso, antes tratado como acidente

Escrito por Redação
17 de outubro de 2025
Foto: Aldeia Foz do Akurawá

O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) decidiu reabrir o inquérito que apura a morte do indígena Tadeo Kulina, ocorrida em fevereiro de 2024, em Manaus. A medida foi tomada após pedido da Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM), que apresentou novos elementos que indicam possível envolvimento humano no caso, antes tratado como acidente.

Tadeo, indígena do povo Madiha Kulina, foi encontrado morto após desaparecer da maternidade Ana Braga, onde acompanhava a esposa, transferida para Manaus por complicações na gravidez. Segundo o histórico hospitalar, ele deu entrada no Hospital João Lúcio no dia 6 de fevereiro, desacordado, com sinais de agressão e em estado grave. Morreu horas depois, na madrugada do dia 7, um dia antes de completar 34 anos.

O laudo médico apontou traumatismo craniano, fratura na base do crânio e hematoma subdural, lesões causadas por instrumento contundente. A Polícia Civil concluiu o inquérito inicial alegando morte acidental, supostamente provocada por quedas. No entanto, o MPAM agora considera que novas provas levantam dúvidas sobre essa versão.

O promotor Flávio Mota Morais Silveira determinou que a Polícia Civil retome as investigações, com prazo de 90 dias para nova apuração. Serão realizadas novas oitivas e perícias, incluindo análise de documentos que não constavam nos autos anteriores.

Novos elementos 

Entre os novos elementos apresentados pela DPE-AM estão registros hospitalares que indicam que Tadeo chegou ao hospital com mãos e pés amarrados, além de diversos hematomas

Os defensores públicos Daniele dos Santos Fernandes e João Gustavo Fonseca, integrantes do Núcleo Especializado de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da DPE-AM, apresentaram novas provas, como a ficha de atendimento médico-hospitalar, que não consta nos autos do inquérito, que apontam sinais de agressão física e tortura contra a vítima, incompatíveis com morte acidental.

“O fato de a vítima ter sido conduzida ao hospital com pés e mãos amarrados jamais foi mencionado no inquérito, tampouco que Tadeo chegou ao hospital já em estado de inconsciência”, destacam.

Há também questionamentos sobre o tempo em que Tadeo permaneceu sob custódia policial. Após ser retirado de um lava jato na zona Leste da capital, onde foi registrado um vídeo de 30 segundos anexado ao inquérito, ele teria ficado trancado em uma viatura por tempo indeterminado, até ser levado ao hospital. A cronologia desses eventos e a ausência de registros oficiais durante esse período são pontos considerados fundamentais para a reavaliação do caso.

O caso ganhou repercussão nacional após ser tema do podcast Dois Mundos, da Folha de S. Paulo, que apresentou entrevistas e depoimentos contraditórios aos que constam no inquérito policial. Testemunhas ouvidas pelo jornal afirmaram que Tadeo aparentava estar bem ao deixar a delegacia, o que confronta o relato dos policiais militares de que ele já demonstrava sinais de mal-estar.

A DPE também apontou incoerências entre os depoimentos dos policiais e das pessoas presentes no lava jato, especialmente em relação à suposta agressividade de Tadeo, ao uso de contenção física e à existência de uma faca com a vítima, versão que não é confirmada por todas as testemunhas.

Para os defensores, o conjunto de lacunas e contradições ainda não esclarecidas impossibilita o encerramento definitivo das investigações. O MPAM, ao reabrir o caso, reconhece a necessidade de aprofundar as apurações para garantir o esclarecimento dos fatos e a responsabilização, caso se confirme a hipótese de violência ou omissão por parte dos envolvidos.

O Diário da Capital entrou em contato com a Polícia Civil do Amazonas para questionar sobre a reabertura do inquérito e as incoerências apontadas pelo Ministério Público no caso da morte de Tadeo Kulina, mas não obteve retorno até o momento. 

Entenda o caso

Indígena de recente contato do povo Madiha Kulina e não falante da língua portuguesa, Tadeo veio para Manaus acompanhar sua mulher, Ccorima Kulina, que teve complicações durante a gestação.

Moradores da aldeia Macapá, na região do Médio Juruá, em Envira, a mais de 1.200 quilômetros de Manaus, eles nunca tinham deixado a região, mas Ccorima precisou ser removida por UTI aérea à capital para realização do parto.

Aldeia Macapá, terra indígena Kulina do Médio Juruá — Foto: Divulgação/OPIJU

Após a mulher ser internada na maternidade Ana Braga, Tadeo deixou o local e permaneceu desaparecido por oito dias até seu corpo ser encontrado no Instituto Médico Legal (IML).

Em seu deslocamento, horas antes de morrer, o indígena chegou a um lava jato localizado na avenida Autaz Mirim, onde teria sofrido as quedas, que foram registradas em vídeo.

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