Nos dias 5, 6 e 7 de setembro ocorre o #SouManaus (Passo a Paço), no Centro Histórico da capital amazonense, com atrações regionais, nacionais e o tão comentado DJ francês David Guetta. Mas o que era para ser um evento cultural gratuito e de fácil acesso para a população, transformou-se em uma grande confusão, que estourou na última semana.

AS 30 GARRAFAS

Com sete palcos e 44 mil metros quadrados, a estimativa é que mais de 200 mil pessoas prestigiem o evento em cada um dos três dias.

Nas edições anteriores, a população precisava apenas chegar ao local e transitar por toda a extensa área do Centro, por onde os shows estavam espalhados. Este ano, no entanto, a grande polêmica foi que a Prefeitura informou, por meio da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult), que para ter acesso aos palcos principais, localizados no Porto de Manaus, o público precisaria de pulseiras, que poderiam ser adquiridas mediante à troca de 30 garrafas PET – por pessoa.

A decisão levantou diversos questionamentos, como: será uma pulseira por dia? Se uma pessoa quiser ir nos três dias, ela precisará arrecadar 90 garrafas? A ação visa o recolhimento de lixo das ruas ou aumento do consumo de bebidas em garrafas plásticas na região? E qual será o destino final dessas garrafas? Entre outros.

Após a polêmica, a Manauscult apagou das redes sociais o post original e publicou outro, ainda impondo a troca de 30 garrafas, mas acrescentando a opção de doar 1kg de alimento para conseguir a tão requisitada pulseira. E não respondendo de forma clara as dúvidas surgidas. Na verdade, deixando tudo ainda mais confuso.

Há ainda a necessidade de fazer uma pré-inscrição através do site, antes de realizar as trocas. Esse processo teve início na terça-feira (22), e o primeiro lote (com 10 mil vagas) já esgotou. Os próximos lotes serão abertos nos dias 23, 24 e 25 de agosto.

‍AFINAL, QUEM SÃO OS PATROCINADORES?

No último dia 13 de julho, David Almeida (Avante) convocou a imprensa para uma reunião extravagante, onde anunciaria a tão comentada atração internacional: durante aquele dia, várias páginas de fofoca vazaram a informação de que David Guetta se apresentaria por aqui. Porém, à noite, o prefeito disse que não falaria “um nome” no momento, pois o contrato ainda não estava assinado (dias depois, o DJ de fato foi confirmado).

Apesar de não atender seu objetivo inicial, a reunião serviu para a coleta de algumas informações relevantes, como o fato de o evento não ser mais realizado em sua maioria com dinheiro público, mas sim com patrocínio da indústria privada.

“Ano passado o nosso investimento foi da ordem de 17 milhões. Esse ano eu acredito que nem um terço disso será investido dos cofres da Prefeitura. Pra ser bem sincero, eu acredito que a Prefeitura ainda vai sair com saldo em caixa pra fazer o aniversário da cidade e o réveillon. Porque é assim que os grandes eventos acontecem no mundo”, disse David em seu discurso àquela noite.

“Nós temos aproximadamente 15 patrocinadores. Temos já o ok da Coca-Cola, temos o ok da Fieam, Santo Remédio, Grupo Atem, Fecomércio, grandes indústrias do Distrito Industrial, inclusive com o aporte de recursos federais, Águas de Manaus, Amazonas Energia... Todos esses já estão contactados e com patrocínios fechados. E o que é melhor: nenhum centavo de recurso público será gasto com o cachê desses artistas. Todos os artistas foram pagos pelos patrocinadores”, informou Almeida.

Essa foi a última vez que o prefeito falou sobre o assunto, posteriormente ignorando as solicitações da imprensa sobre a lista completa.

O Diário da Capital entrou em contato com os as empresas citadas, ao menos, para saber se de fato estão envolvidas com o festival, e as respostas foram as seguintes:

Coca-Cola: O Grupo Solar, representante da Coca-Cola em Manaus, confirmou o patrocínio, notificando que “com um histórico de apoio a grandes eventos nacionais e regionais, que fomentam a cultura, o desenvolvimento socioeconômico e a geração de renda, a Solar Coca-Cola apoia este ano o Festival Sou Manaus - Passo a Paço 2023. A empresa reforça que seu patrocínio acontece dentro dos parâmetros do Edital do evento, sem direcionamento específico de verba, tendo aderido a cota mínima disponibilizada no Edital. Comprometida em contribuir para que a comemoração seja única, a empresa reafirma seus esforços para promover celebrações culturais de acordo com a legislação vigente e normas dos órgãos competentes”.

Grupo Atem: O Grupo Atem também confirmou o patrocínio, e informou que em breve soltará um comunicado oficial à imprensa.

Santo Remédio: A Santo Remédio, representada pelo Grupo Tapajós, confirmou o patrocínio.

Amazonas Energia: A Amazonas Energia também confirmou o patrocínio.

Fecomércio: A Federação do Comércio do Estado do Amazonas (Fecomércio) informou que, ao ser contactada, dispôs-se a colaborar, no entanto, até o momento (a duas semanas para o início do evento) ainda aguarda o direcionamento da Prefeitura para a definição dessa participação.

Águas de Manaus: A Águas de Manaus informou que na época, de fato, houve uma conversa com a Prefeitura, mas não seguiu em frente, portanto a concessionária de água não tem nenhum vínculo de patrocínio com o evento.

Fieam: A Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam) informou que não faz parte dessa lista, e que talvez o prefeito tenha se equivocado ao citar a entidade, ao invés da Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam).

Afeam: No dia 5 de julho, a Prefeitura de Manaus anunciou que firmou parceria com a Afeam para “financiar empreendedores do setor turístico e cultural da cidade”, por meio do Programa “Mais Crédito”, com limites de até R$ 21 mil.

PUMP E A MONETIZAÇÃO

Ainda no evento extravagante do dia 13 de julho, David Almeida disse: “Nós estamos em negociação diária. E nós buscamos apoio em três grandes produtores de evento em Manaus: aqui eu tenho Bernard da PUMP, que tá nos ajudando, nós temos a Bete Dezembro que é da Fábrica de Eventos, e o Juca Semen [Manaós Entretenimento], que são os três que mais... E isso nos deu uma oportunidade de ampliar os nossos horizontes e podermos prospectar coisas incríveis pra cidade de Manaus. Estamos trabalhando pra que esse evento fique marcado na história da cidade”.

Nesta edição do #SouManaus, 90% do acesso será gratuito, e 10% será monetizado, como as áreas de fronstage (perto do palco) e camarotes. Naquele dia, David havia dito: “com esses recursos [arrecadados com as áreas pagas] nós não vamos colocar um centavo da prefeitura e ainda vamos monetizar, quem sabe, para futuros eventos aqui na cidade de Manaus”.

Contudo, no início de agosto, houve o anúncio de que essa área monetizada ficaria a cargo de uma empresa privada, selecionada através de uma licitação de Cota Master. No dia 14 de agosto, foi informado que a PUMP (Nosso Show Gestão de Eventos Ltda.), venceu o processo, recebendo a possibilidade de explorar e comercializar 44 camarotes com capacidade para 25 pessoas cada, além de 2.500 ingressos para o fronstage.

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A PUMP terá que repassar aos cofres públicos R$ 2 milhões, e em troca lucrará pelo menos R$ 5 milhões apenas com as entradas – fora o números do bar. Nesta quinta-feira (23), a empresa deu início à venda de ingressos: o fronstage apenas do show do David Guetta está saindo a R$ 600, enquanto os camarotes a R$ 33 mil cada.

‍‍TIMES SQUARE

No dia 19 de agosto, outra pauta envolvendo o #SouManaus ficou em alta: um anúncio publicitário exibido nos telões da avenida Times Square, em Nova York (Estados Unidos), mostrou a programação do evento – todo em língua portuguesa.

A grande questão da vez foi o dinheiro utilizado para realizar a propaganda, mas, conforme informações de conhecimento público, os anúncios na Times Square custam, em média, apenas US$ 40 (R$ 194). O que de fato gerou incômodo no público foi: por que divulgar o evento em um ponto isolado em outro país e não no Brasil, a nível nacional?

“Chegar com a nossa mídia em Nova York é mais uma forma de mostrar a grandeza de Manaus como um dos principais destinos turísticos do mundo, porque estamos no centro da Amazônia. Por sua vez, o festival #SouManaus também alargou fronteiras internacionais no entretenimento, o que traz para a nossa cidade um impacto significativo na economia, gerando milhares de empregos diretos e indiretos. E tudo isso preservando o meio ambiente, mandando outro importante recado para o mundo”, enfatizou Almeida em um comunicado à imprensa.

ENQUANTO ISSO, NA CÂMARA…

Em sessão plenária na Câmara Municipal de Manaus (CMM), realizada no dia 22 de agosto, o tema #SouManaus foi uma pauta pertinente, com os vereadores debatendo os mesmos pontos que a população.

“Na semana passada, nós trouxemos a denúncia de que a Prefeitura de Manaus estava pretendendo, e agora se confirmou: simplesmente permitir a exploração comercial do Passo a Paço, do #SouManaus, concedendo a uma empresa o direito de venda de ingressos pra um evento que a população de Manaus já está pagando R$ 13 milhões”, indagou Rodrigo Guedes (Republicanos).

O vereador ressaltou ainda que “o povo vai ficar em segundo lugar, literalmente, não de forma figurada, num evento que o próprio povo já está pagando. É lamentável ver o que o Passo a Paço está se transformando. Uma máquina caça-níquel. Eu vou fazer uma denúncia ao Tribunal de Contas, ao Ministério Público, porque todo esse processo foi muito obscuro”.

Guedes ainda abordou que recebeu informações que artistas locais têm tido os cachês reduzidos para que se possa aumentar o cachê dos artistas de fama nacional.

Já William Alemão (Cidadania) informou que “não consegue entender como a Manauscult, que teoricamente devia ter um know how para fazer eventos grandes, consegue fazer essa verdadeira lambança”.

“Esse artista internacional que está vindo para a cidade de Manaus, quando ele veio da última vez fazer uma turnê [no Brasil] ele cobrou US$ 500 mil pra fazer quatro shows, então isso não diminuiu com certeza. E aí duas empresas participaram desse chamamento público. Uma perdeu porque faltou documentos, detalhe que essa empresa tá no mercado mais tempo que a outra fazendo centenas de eventos, e aí não falam o valor que foi pago exclusivamente pra esse DJ, que quem está trazendo é a empresa que ganhou o chamamento público [PUMP]. Tudo uma jogada muito ensaiada. A última coisa que eu quero como vereador é cancelar um evento, agora precisa ter transparência, coisa que não tem acontecido nesse governo. Onde tá a transparência desse evento?”, disse.

Alemão abordou ainda a pauta dos patrocinadores, questionando quem seriam eles de fato.

“Ah, porque na cota master super suma a pessoa que entra como cota tem direito. Não, isso não é patrocínio, isso é parceria. Patrocínio é você colocar sua marca no evento e poder vender para os seus clientes esse evento como apoiador, não comercialmente. E aí o Passo a Paço virou parceria comercial, é isso? Terceirizar o bar é algo normal em todo evento, mas a gente tá falando de dinheiro público, a gente precisa ter transparência, coisa que a Manauscult não está tendo”, afirmou.

E O QUE DIZ A PREFEITURA?

Nada. Afinal, a Prefeitura de Manaus ou a Manauscult não responderam a nenhuma das nossas solicitações e dúvidas, feitas há dias.