A aprovação das novas regras para a operação de mototaxista em Manaus, sancionada pelo prefeito David Almeida (Avante) em setembro deste ano, gerou forte descontentamento entre os motoristas de aplicativo. A polêmica se intensificou quando o vereador Rodrigo Guedes (PP), que inicialmente votou a favor do Projeto de Lei n.º 285/2024, propôs a revogação da Lei, provocando divergências entre os vereadores da Câmara Municipal de Manaus (CMM). Ele teve apoio de mais 36 vereadores.
Guedes, ao justificar a mudança de posição, declarou: “Não somos contra regras, mas contra amarras que dificultam o trabalho dos moto-ubers”. Ao Diário da Capital, o parlamentar afirmou que, na época da votação — que aconteceu no dia 9 de setembro e foi aprovada por unanimidade pela Casa — acreditava que o PL se aplicava exclusivamente aos mototaxistas.
“Não é porque votei que tenho que ser escravo disso. Na nossa compreensão, só impactava quem já era mototaxista. Eu não sou mototaxista nem uber, então não tenho essa vivência. Quando os profissionais de aplicativo me procuraram, imediatamente propus a revogação”, explicou o parlamentar.
Contradição, esquecimento e o reflexo do PL 285/2024
Agora, Guedes tenta reverter a mesma Lei que considerou benéfica para os mototaxistas — mas que acabou sendo vista de maneira negativa pelos motoristas de aplicativo. O parlamentar busca revogar a Lei nº 285/2024, apontando um conflito normativo com a Lei Federal nº 13.640/2018, que atribui à União a competência exclusiva para legislar sobre transporte. Segundo o texto, “a existência de normas municipais pode gerar interpretações divergentes e insegurança jurídica”.
Com a aproximação do segundo turno das eleições municipais, Guedes afirma que a situação pode se tornar ainda mais incerta. Segundo ele, o resultado das urnas pode influenciar a votação da revogação da lei, ressaltando que tudo pode mudar após as eleições que acontecem neste domingo (27).
“Eles podem simplesmente ganhar tempo, acredito que seja isso, e com o resultado eles podem abandonar a causa. Foi discutido hoje (23) só o regime de urgência, não o PL e foi aprovado por unanimidade. Agora vai ser outra briga, outra discussão e aí vai depender da base do prefeito apoiar, mas nada garante que depois de domingo a base ou o próprio prefeito seja a favor do projeto”, afirma o parlamentar.
Apesar do pedido de urgência da revogação ter sido aprovado no dia de ontem (23) pelos parlamentares, o vereador Gilmar Nascimento (Avante), aliado de David Almeida, afirma que “não há nada de errado” com a Lei do Executivo. Ele defende a legitimidade da Lei, afirmando que foi fruto de um diálogo com os próprios mototaxistas.
“Essa lei partiu do Executivo, provocada por quem? Pelos próprios destinatários dela, que são os mototaxistas, o pessoal dos aplicativos. A Lei é erga omnes, é para todos, e a gente tem que pensar nos usuários do sistema. Não há criação de novas taxas, elas já existiam”, garantiu Nascimento.
Consultado sobre como pretende votar a revogação da Lei, Nascimento afirma que não pode se posicionar no momento: “Eu não tenho conhecimento da matéria, vai revogar que lei? O que tá disciplinando?”, perguntou.
Outro apoiador do prefeito, Wallace Oliveira (DC), destacou que a Prefeitura tem promovido ações para beneficiar a categoria, como o aumento do número de vagas. “As alegações sobre taxas são, em muitos casos, distorcidas. Há um desencontro de informações que complica a situação”, afirmou.
Oliveira também defendeu a Lei, destacando que irá analisar a questão com mais profundidade. Questionado pela reportagem se o PL do Executivo foi votado às pressas, o parlamentar afirma que: “Não houve açodamento. O que tá havendo é uma desconformidade de opiniões”, garante.
Porém, a controvérsia se acentua com a declaração do vereador professor Samuel (PSD), outro aliado de David Almeida, que afirma não se lembrar da votação que aconteceu no dia 9 de setembro, mesmo estando presente. “Não, eu não tomei conhecimento disso aí”, comentou o parlamentar.
As declarações da base aliada de Almeida, por sua vez, colidem com a indignação expressa por representantes da categoria. Enquanto os apoiadores do prefeito defendem que a proposta traz benefícios para a população e organiza o setor, os moto-ubers rebatem afirmando que a legislação compromete o trabalho de mais de 100 mil profissionais da área.
Igor Gomes, representante da classe, criticou o teor da Lei. Ele também afirma que o projeto de emenda à Lei Orgânica de Manaus (Loman) nº 9/2023, de autoria do vereador Bessa (Solidariedade), aprovado em dezembro do ano passado, é outra norma que prejudica os motoristas de aplicativo. No texto, a matéria limita a inclusão de veículos pelas plataformas de serviços de transporte por aplicativo e obriga o recadastramento de todos os trabalhadores no Instituto Municipal de Mobilidade Urbana (IMMU).
“Essa lei é de impacto gigantesco, sem precedentes, não foi feito estudo, não foi feita audiência pública. O que queremos hoje é a revogação dessa lei, queremos sim fiscalização, mas queremos algo justo e que principalmente todos os trabalhadores sejam ouvidos. A respeito do que a Prefeitura de Manaus tem lançado contra a nossa categoria, isso são mentiras, são inverdades, isso na verdade é munição dele tentando jogar a população da cidade contra todos os trabalhadores daqui. A prova disso é que essa PL não vem de agora, a emenda é do ano passado”, relata Gomes.
Márcio Passos, outro representante da categoria, reforçou o descontentamento: “Nós somos contra esse PL, eles falam que não é pra nós, mas sim para mototáxi, mas só que a emenda nos inclui. Prefeito, não adianta ludibriar a população contra nós, a sua palavra prefeito não tá valendo de nada, o que tá valendo é o que tá na lei, a PL que o senhor mesmo assinou. Fora política, nós não estamos no lado A ou B, o que estamos aqui é brigando, reivindicando direitos de podermos trabalhar. O PL já está em vigor, se ele quisesse botar em execução agora ele colocava, porque ele tem poder pra isso, só que ele é tão esperto que tá esperando o fim da eleição”, afirmou.
Os aliados do prefeito, ouvidos na reportagem, afirmaram ao Diário da Capital que precisam averiguar detalhadamente o conteúdo da revogação da Lei 285/2024, apresentada por Rodrigo Guedes. Entretanto, de acordo com o Regimento Interno da Casa Legislativa, o tempo de espera para votação pode chegar a 30 dias.
“Eu não posso me posicionar porque eu não tenho conhecimento da matéria, vai revogar que lei? O que tá disciplinando? Eu não sei o projeto dele (do Guedes) que chegou hoje. Que lei está sendo revogada? A lei foi aprovada agora, recente, pelo que vejo, os próprios mototaxistas que provocaram isso e a lei veio através do IMMU, e veio pra cá. Esse projeto tramitou, nós tivemos reuniões e de repente foi aprovada essa Lei e não houve nenhum grito aqui. O grito veio depois”, disse Gilmar Nascimento.
O que diz a Lei e o que diz a Prefeitura?
Por meio de nota, a administração municipal afirmou que a Lei “não intervém nos serviços realizados por aplicativo de transporte, como Uber e outros correlacionados”. Mas o texto original do PL 285/2024 menciona a necessidade de atualização legislativa em razão da Emenda à Lei Orgânica do Município de Manaus (Loman) n° 115, de 11 de dezembro de 2023, de autoria do vereador Bessa — mencionada pela classe como a principal responsável por prejudicá-los.
O parecer da Procuradoria Geral da Casa Civil, assinado em maio pelo corregedor-geral, Daniel Octávio, chega a reconhecer a necessidade de atualização legislativa em resposta à Emenda à Lei Orgânica do Município (Loman) nº 115. O texto ainda defende a necessidade de regulamentação diante da concorrência com plataformas digitais.
Uma das exigências da Lei do Executivo é que os mototaxistas se organizem em associações ou cooperativas, devidamente registradas no órgão gestor de transportes. As motos utilizadas devem ter potência entre 125 e 300 cilindradas cúbicas, com motor de quatro tempos e redutor de velocidade.
Veículos com mais de quatro anos de uso não poderão ingressar no sistema. Em caso de furto ou sinistro, a substituição do veículo deve ser realizada em até 180 dias. Além disso, os mototaxistas são obrigados a pagar 16 taxas, que totalizam mais de R$ 740.
O texto enviado à CMM foi aprovado no dia 9 de setembro por 37 vereadores, sendo eles:
- Allan Campelo /Podemos
- Bessa / Psb
- Caio André / União
- Capitão Carpê / PL
- David Reis /Avante
- Diego Afonso / União
- Dione Carvalho / Agir
- Dr. Daniel Vasconcelos / Rep
- Dr. Eduardo Assis / Avante
- Eduardo Alfaia / Avante
- Elan Alencar / Dc
- Everton Assis / União
- Fransuá / Psd
- Gilmar Nascimento / Avante
- Glória Carratte / Psb
- Isaac Tayah / Mdb
- Ivo Neto / Pmb
- Jander Lobato / Psd
- Joelson Silva / Avante
- João Carlos / Rep
- Kennedy Marques / Mdb
- Lissandro Breval / Progressistas
- Marcel Alexandre / Pl
- Marcelo Serafim / Psb
- Marcio Tavares / Rep
- Mitoso / Mdb
- Prof. Samuel / Psd
- Prof.ª Jacqueline / União
- Raiff Matos / Pl
- Raulzinho / Mdb
- Roberto Sabino / Rep
- Rodrigo Guedes / Progressistas
- Rosinaldo Bual / Agir
- Sassá Da Construção Civil / Pt
- Thaysa Lippy / Prd
- Wallace Oliveira / Dc
- William Alemão / Cidadania
- Yomara Lins / Pode
Os vereadores Alonso Oliveira (Agir), Jaildo Oliveira (PV) e Rosivaldo Cordovil (PSDB) estavam ausentes durante a votação.