Destruição de templos religiosos, obstáculos para a realização de cultos, comentários discriminatórios e, muitas vezes, agressões físicas e até assassinatos. Casos de intolerância religiosa são registrados em todo o Brasil e refletem em números.
De acordo com informações do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, obtidas por meio do Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), nos primeiros seis meses de 2024 foram registrados 1.940 casos de violação à liberdade religiosa no país, o que resultou em 1.227 denúncias.

Para enfrentar essa realidade e promover a valorização da cultura e memória dos afrodescendentes, além de combater o racismo, foi criada a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana, com o Decreto nº 12.278, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa política busca promover medidas intersetoriais que garantam o reconhecimento e o respeito a essas tradições religiosas.
No entanto, a intolerância religiosa continua afetando a vida de muitos praticantes dessas religiões. Em Manaus, o terreiro de umbanda Filhos do Sagrado, localizado no bairro Alvorada, zona Centro-Oeste, por exemplo, tem enfrentado ataques constantes, principalmente por parte de vizinhos. É o que afirma Daniel Gomes, pai de santo e presidente do terreiro. Segundo ele, a instituição já se mudou várias vezes devido aos ataques, mas a perseguição persiste.
“Nós já acionamos as autoridades várias vezes, mas além das dificuldades para abrir ocorrências, elas nunca resultaram em ações concretas”, afirmou Gomes. Como medida de segurança, o terreiro precisou instalar câmeras e alarmes.
Para Paulo, embora o decreto traga visibilidade, é fundamental que a discussão sobre intolerância religiosa se aprofunde, abordando temas como a educação escolar, o papel das famílias e as comunidades.
No Amazonas
O Governo do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc), iniciou um mapeamento dos terreiros em todo o estado com o objetivo de coletar informações sobre esses espaços e suas histórias, a fim de criar políticas públicas mais inclusivas e eficazes.
Em Manaus, embora estime-se que existam cerca de 200 terreiros, apenas 65 responderam ao formulário para receber a visita dos técnicos. Além disso, dados do Censo de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que das 62 cidades do Amazonas, apenas seis registraram a presença de comunidades quilombolas.
Festival Balaio da Oxum
Um dos principais eventos das comunidades de matriz africana de Manaus, o Festival Cultural Balaio da Oxum realiza sua nona edição neste domingo, 08/12, a partir das 16h, no Complexo Turístico da Ponta Negra, zona Oeste da cidade. Com o tema “Sob a proteção de Oxum: água, território e ancestralidade em defesa da vida”, o evento destaca esse ano a pauta da preservação do meio ambiente e da Amazônia, além da tradicional marcha contra a intolerância religiosa e o racismo.

A celebração deve reunir integrantes de povos de terreiro, lideranças indígenas e sociedade civil em homenagem a Oxum, orixá da fertilidade, das águas doces e do amor. O evento inicia com a concentração no estacionamento da Ponta Negra, a partir das 16h, de onde o público sairá em marcha ao longo da Avenida Coronel Teixeira em direção à praia.
Em seguida, já na praia, acontece o xirê, um momento de cerimônia que saúda Oxum e outras divindades por meio de cantos. A programação se encerra à noite, com um espetáculo artístico na praia da Ponta Negra, reunindo shows musicais de atrações como Samba do Índio, Mara Lima, Papo de Preto e Márcia Siqueira, além de exposições culturais.
“Vamos caminhar, como todos os anos, contra a intolerância religiosa e também para combater todo mal que tem sido causado ao meio ambiente”, afirma a Nochê Flor Ty Navê, presidenta da Associação Brasileira do Balaio da Oxum (AbraOxum) e uma das organizadoras do evento. “É importante a gente falar da proteção da biodiversidade. Não podemos mais acordar respirando um ar de fumaça e viver tanto descaso com a natureza”.
Denúncia
No Brasil, a legislação define como crime a prática, indução ou incitação ao preconceito de religião, bem como de raça, cor ou etnia pela Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, alterada pela Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997. A pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa. O enfrentamento aos casos de intolerância religiosa é realizado dentro da política de Promoção da Igualdade Racial, em articulação com vários setores.
A primeira medida de enfrentamento a expressões de intolerância religiosa, seja ela violenta ou dissimulada, é a tratativa penal. As vítimas podem realizar denúncia através de um boletim de ocorrência, em qualquer unidade policial. Denúncias de violações dos Direitos Humanos também podem ser realizadas através do Disque 100.