De um lado, servidores municipais, como os da educação, que, em junho deste ano, receberam um aumento modesto de 3,69%, que se traduz em um acréscimo de apenas R$ 90 reais no salário. Do outro, políticos de Manaus, incluindo prefeito, vereadores e secretários, que podem ter aumentos expressivos, chegando a 57,89%, com valores que superam a casa dos R$ 30 mil mensais.
A comparação feita pelo Diário da Capital surge após a Mesa Diretora da Câmara Municipal de Manaus (CMM) apresentar um conjunto de Projetos de Lei, que preveem aumentos elevados para os cargos políticos do município para o período de 2025 a 2028. Os projetos de leis devem entrar em pauta na próxima semana.
Aumento salarial elevado
Os vereadores, que atualmente recebem um subsídio bruto de R$ 18 mil, por exemplo, terão a vantagem de obter dois reajustes consecutivos. Em janeiro, o salário será elevado para R$ 24.754,79 e, a partir de fevereiro, passará para R$ 26.080,98. O aumento totaliza R$ 7 mil, o que representa um reajuste de 37,3%.
De acordo com a Mesa Diretora da CMM, a nova remuneração, que será mantida até o fim da 19ª Legislatura, em 2028, está em conformidade com os preceitos da Constituição Federal e da Lei Orgânica do Município, que estabelecem que o subsídio dos vereadores pode ser de até 75% do salário dos deputados estaduais.
Já para o prefeito reeleito David Almeida (Avante), o reajuste é de 29,6%, elevando o salário de R$ 27 mil para R$ 35 mil. O vice, que será Renato Jr, terá um reajuste de 23,08%, passando de R$ 26 mil para R$ 32 mil. Da mesma forma, os secretários municipais, que hoje recebem R$ 17.100, podem ter um aumento de 57,89%, passando a ganhar R$ 27 mil. Enquanto os subsecretários terão o salário ajustado de R$ 15.300 para R$ 22 mil, o que equivale a 43,79%.
Disparidade com outras classes
Enquanto a justificativa para os aumentos dos políticos se baseia no art. 29, inciso V da Constituição Federal, que permite fixar os subsídios da legislatura seguinte ao final da atual, as medidas escancaram a disparidade com relação aos reajustes concedidos aos servidores municipais.
Embora o reajuste dos servidores seja uma prerrogativa do prefeito, em 2024, por exemplo, os vereadores aprovaram projetos de lei que previam aumentos salariais de 3,69% para profissionais da Educação e 1,58% para os da Saúde. Por outro lado, o reajuste destinado aos educadores gerou descontentamento, principalmente quando o projeto inicial da Prefeitura de Manaus sugeriu um aumento de apenas 1,25% — o que representaria um ganho real de apenas R$ 30,61 para os professores.
A pressão de sindicatos e das manifestações culminou na revisão do projeto, resultando em um reajuste de 3,69%, que foi finalmente sancionado pelo prefeito David Almeida (Avante).
Ao Diário da Capital, o cientista político Helson Ribeiro explica que os aumentos são distintos, mas ele compara a disparidade à obra de Jean-Jacques Rousseau. Para Ribeiro, até os dias de hoje, categorias como a dos professores enfrentam uma luta árdua e constante por um reajuste salarial digno.
“São ocorrências distintas, mas eu vou de Jean-Jacques Rousseau. O pensador iluminista tem uma obra: ‘as leis são úteis e boas para quem tem posses, elas são nocivas para quem nada tem’. E isso se aplica até hoje. Você observa que uma categoria, como as dos professores, é uma luta cruel para que tenha um aumentozinho de salário, enquanto os que têm posses eles dão ordens e mudam a legislação ao bel prazer. Acredito que cabe também à população, a fiscalização disso para que possa exercitar a cidadania de forma mais plena, vê quem tá fazendo lei em benefício próprio e fiscalizar esse tipo de comportamento”, explica.
Outro lado
Ao Diário da Capital, a procuradoria da Casa Legislativa esclarece que não cabe ao setor analisar o mérito do reajuste proposto, mas sim verificar o cumprimento dos requisitos legais para a tramitação do projeto de lei. De acordo com a Procuradoria, a definição do percentual de reajuste dos subsídios dos vereadores é uma atribuição exclusiva do parlamento.
“De quatro em quatro anos é sempre feito esse questionamento pela imprensa e, até que a Constituição seja alterada, nesse período de final de uma legislatura, sempre será dessa forma, o reajuste/aumento será concedido e executado normalmente. Aliás, até os servidores, se pudessem, gostariam de usar o teto. Ou seja, qualquer um que tivesse essa condição de reajustar seus próprios salários usaria o teto, não é mesmo?”, disse o procurador Silvio da Costa.
Sobre a comparação entre os reajustes dos subsídios dos vereadores e os dos servidores municipais, a Procuradoria argumenta que não há um parâmetro comum, já que os reajustes dos servidores do Poder Executivo são anuais, enquanto os dos vereadores ocorrem a cada quatro anos. “Os reajustes dos servidores do Poder Executivo são feitos por iniciativa do Prefeito Municipal e a Câmara Municipal não pode majorar tal percentual, sob pena de acarretar inconstitucionalidade à lei, uma vez que as emendas dos vereadores não podem aumentar despesas nos projetos de iniciativa do Poder Executivo”, ressaltou o órgão.
A Procuradoria também detalhou os limites para os subsídios dos vereadores, que devem seguir o que é estipulado pela Constituição Federal. “Os subsídios devem obedecer aos limites previstos na Constituição Federal, ou seja, em municípios com mais de 500 mil habitantes — como Manaus — será até 75% do subsídio do Deputado Estadual”, explicou a Procuradoria. Além disso, as despesas com os subsídios dos vereadores não podem ultrapassar 5% da receita do município.
Repercussão na CMM
O vereador William Alemão (Cidadania), que não se reelegeu, se posicionou contra o projeto que prevê o aumento dos subsídios dos parlamentares. Em declaração ao Diário, Alemão afirmou: “Gostaria muito de que, se esse aumento passar, diminuísse também os escândalos de dinheiro público da Prefeitura de Manaus. Meu voto vai ser contrário. Mas espero que passando ou não, acredito que vai, mas não com meu voto”, ressaltou.
Alemão ainda criticou o valor do aumento proposto e questionou a razão por trás da medida: “Mas por que tudo isso?”, provocou o vereador.
Ao Diário, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), vereador Gilmar Nascimento (Avante), explicou que o projeto é uma prática recorrente no final de cada mandato. Nascimento ainda fez uma analogia com os reajustes dos servidores públicos, que recebem aumento anualmente.
“Todo servidor, todo empregado tem aumento todos os anos. Os servidores públicos têm data-base todos os anos, isso é feito porque tem uma lei estipulando. A dos vereadores é o quê? A cada quatro anos. Você tem quatro anos que não tem aumento. (O agente público) não tem data-base, não tem atualização nenhuma, eu acho que o vereador que não é favorável, como o Rodrigo Guedes, ele deve renunciar o aumento dele”, explicou.
Segundo Nascimento, para os projetos serem votados, ainda precisa passar pela Procuradoria antes de ser encaminhado para a CCJ. “Ainda não recebi na CCJ, ele foi deliberado ontem (26), vai para a procuradoria e vai ser encaminhado para a CCJ”, disse, destacando que o projeto está dentro da previsão orçamentária, é legal e segue o Regimento Interno da Câmara Municipal. “É papel do presidente da CMM (Caio Andre) colocar isso para a CMM, para justamente que o TCE acompanhe toda essa questão”, afirmou.
Ele finalizou reiterando que, conforme a legislação, a atualização dos salários dos agentes públicos é obrigatória e deve ser feita no final de cada legislatura. “Não é questão de aceitar, é legal. Todos os anos, antes de terminar, a Mesa Diretora tem que impulsionar esse PL, atualizando o salário dos agentes públicos”, concluiu.
O vereador Rodrigo Guedes também questionou como foi determinado o valor do salário do prefeito e dos vereadores.
“Como que chega em um salário do prefeito? Com base em quê? Como chegaram em mais de R$ 30 mil?”, indagou.
Quanto a renunciar o aumento, caso aprovado, Guedes rebateu duramente as declarações de Gilmar Nascimento: “É um ambiente confortável, né? Você propõe, defende, vota e aprova a sacanagem com o povo, fica com o dinheiro e exige que quem foi contra abra mão. É confortável para o vereador Gilmar Nascimento propor isso, ele pode propor qualquer sacanagem”, reforçou.
Outro a defender o aumento, foi o vereador Joelson Silva (Avante).
“É a lei, né? É a lei e nós devemos votar, eu acho, que na segunda-feira. Primeiro, deliberar e depois vai seguir os trâmites legais. Eu não vejo nenhum problema, eu acredito que quando eu fui presidente nós votamos o aumento do salário do prefeito, que ganhava 18 mil reais. Um prefeito que administra um orçamento de 10 bilhões e que é prefeito, na minha opinião, 24 horas por dia”, disse o vereador.