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Cientistas brasileiros descobrem nova molécula para tratar doenças inflamatórias

Pesquisa do Butantan foi publicada em revista científica revisada e editada por crianças

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August 02, 2023
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O Instituto Butantan é referência nacional e internacional no estudo de venenos e na produção de soros para tratar acidentes com cobras e aranhas.

Mas o centro de pesquisas também possui há algumas décadas um grupo que estuda especificamente os venenos de peixes.

É o caso, por exemplo, de alguns bagres, das arraias e do niquim — este último, aliás, é um dos focos de pesquisa no Butantan.

“Quando acidentes com peixes acontecem, a pessoa sente muita dor, inchaço e vermelhidão. A pele acometida também pode sofrer um processo de necrose”, explica a farmacêutica Carla Lima, do Laboratório de Toxinologia Aplicada (Leta) do Butantan.

Embora acidentes do tipo não matem, eles representam um grande problema para turistas desavisados e, principalmente, aos pescadores, que podem sofrer com vários episódios repetidos do tipo durante o trabalho.

Ao lado das arraias e dos bagres, o niquim está entre os principais causadores de acidentes entre os peixes brasileiros. Essa espécie, cujo nome científico é Thalassophryne nattereri, costuma viver em águas levemente salgadas, na transição entre rios e mares. É mais encontrado na região Nordeste do Brasil.

A questão é que o niquim gosta de ficar enterrado na areia — e um transeunte desavisado acaba pisando nos espinhos do peixe, localizados nas laterais e na parte superior do corpo do animal, por onde o veneno passa.

Ao fazer análises sobre o veneno que é inoculado pelo niquim, os especialistas do Butantan identificaram a tal TnP (sigla em inglês para peptídeo do Thalassophryne nattereri).

Eles sintetizaram quimicamente a molécula e começaram a fazer os primeiros testes em laboratório. Em roedores, a substância foi capaz de tratar quadros inflamatórios parecidos com asma e esclerose múltipla (uma doença que afeta o sistema nervoso central).

E é justamente aqui que entra o segundo peixe na história: o zebrafish (Danio rerio) é utilizado como modelo experimental nos testes com a TnP.

O nome em inglês, “peixe zebra”, faz alusão ao fato de o bicho ter listras pelo corpo. No Brasil, ele também é conhecido como "paulistinha".

O biólogo Rodrigo Disner, pesquisador de pós-doutorado no Leta do Butantan, diz que trabalhar com essa espécie traz inúmeras vantagens.

“Para começar, em termos genéticos, o DNA dele é 70% igual ao nosso. Isso permite entender no zebrafish muitos fenômenos que nos afetam, como a resposta imunológica e inflamatória”, diz ele.

Em segundo lugar, esse peixe tem um desenvolvimento muito rápido — em apenas 72 horas após a fecundação, a maioria dos órgãos dele já está funcionando. Para ter ideia, um zebrafish cresce em um dia o equivalente ao que um embrião humano demora um mês.

Ainda nessa seara, os embriões desse peixe são quase transparentes, o que facilita a visualização das estruturas internas dele.

“E o fato de eles serem pequenos também facilita, pois podemos mantê-los nos biotérios sem a necessidade de uma estrutura física muito grande”, complementa Disner.

Em termos práticos, todo esse pacote de vantagens faz o zebrafish ser um modelo muito usado em várias pesquisas Brasil afora atualmente.

“Ele também virou um símbolo, que ajuda as pessoas a se conectarem e entenderem a importância do trabalho que realizamos”, complementa o biólogo.

O TnP sintetizado em laboratório foi testado no zebrafish — e, nesses experimentos iniciais, mostrou-se seguro ao não causar efeitos colaterais dignos de nota.

As investigações com a molécula devem seguir adiante no laboratório. Se os resultados continuarem positivos, é possível que daqui a alguns anos ela seja testada em seres humanos.

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