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Artistas manauaras celebram inclusão da Charge, Caricatura, Cartum e Grafite no rol cultural do Brasil

Com a sanção da lei, artistas manauaras celebram a medida como um passo importante, mas destacam os desafios a serem superados.

Escrito por
Rhyvia Araujo
November 23, 2024
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Foto: Renata Barreiros / Diário da Capital

As formas de arte da charge, caricatura, cartum e grafite foram oficialmente incluídas no rol das manifestações culturais do Brasil. O texto da nova legislação, estabelece a promoção e a preservação dessas expressões artísticas, garantindo a liberdade de criação e o apoio por parte do poder público. A Lei 14.996, sancionada em outubro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi aprovada após um longo processo no Congresso Nacional.

Com a sanção da lei, o Diário da Capital conversou com artistas manauaras que celebram a medida como um passo importante, mas destacam os desafios a serem superados para que o Brasil, e especialmente Manaus, se torne um verdadeiro epicentro de apoio para os criadores, especialmente com a realização de editais e a criação de pontos culturais.

Da sobrevivência ao fluxo da arte

“Hoje eu tento sobreviver de arte”, diz Eunuquis, um artista manauara que tem se dedicado à produção de histórias em quadrinhos e caricaturas há mais de 30 anos. Ele conta que o desenho sempre esteve presente, e, apesar das dificuldades financeiras e burocráticas, Eunuquis conta que conseguiu transformar a arte em uma forma de sustento.

“O desenho, de forma geral, já levou eu e a minha família há muito longe, através dos meus desenhos, da minha caricatura. Tem uma representatividade muito grande, mas pra mim é tudo que eu vivo. Tá no meu sangue”, inicia Eunuquis.

Eunuquis Aguiar produz caricaturas há mais de 30 anos. – Foto: Renata Barreiros/Diário da Capital 

Por outro lado, o caricaturista destaca que, como produtor, vê de perto a escassez de chances para muitos artistas. Para ele, a nova lei é um ato válido, mas reforça a necessidade de mais oportunidades, especialmente para artistas que não têm acesso fácil a editais públicos. 

“Tem muita gente que desenha muito bem e o que lhe falta oportunidade, principalmente financeira. E nós que somos produtores vemos que não tem. Tem gente que tem dificuldade na escrita e tem projetos que precisam de uma boa escrita, principalmente para editais. Eu penso que falta uma facilidade para que o colega que desenha muito bem possa entrar nesses editais da vida, ser feliz e ganhar. O meu começo foi através de um edital público e decolamos. Olha como é a importância, e eu digo que foi com muita dificuldade”, afirma o artista.

Ao Diário, Eunuquis diz que vê na aprovação da lei uma chance de ampliar o reconhecimento das artes no país.

“Há um tempo nós éramos mal vistos, a minha mãe já disse várias vezes ‘muda de profissão que isso não dá dinheiro’, e hoje eu consigo viver. Meu recado ao poder público é menos burocracia e mais atitude. A gente vê em muitos desses editais muita burocracia. Olhem pra gente de forma individualizada”, alerta Eunuquis. 

“Reconhecimento tardio, mas necessário”

Com críticas aliadas ao humor, o cartunista manauara Gilmal, afirma que a aprovação da Lei 14.996 é um reconhecimento tardio, mas de grande importância para a arte. Com 30 anos de carreira, o artista afirma que a charge desempenha um papel fundamental na sociedade.

Charge do artista manauara Gilmal. – Foto: Renata Barreiros/Diário da Capital 

“É uma voz que você critica, que segue uma insatisfação. A charge é muito importante na imprensa, porque um jornal que você folheia, se não tiver uma charge ele passa batido, perdeu aquela graça, tem que ter uma crítica contundente. (A lei é) uma virada de chave muito importante, embora seja tardio, mas nunca vai deixar de ser, antes tarde do que nunca. Isso aí é uma maravilha para o cara que é artista, que é esquecido, que parece que não vai ter um apoio, chegou em boa hora, mesmo que tarde, então, eu fico feliz por todos os caras que trabalham com cartum e charge”, explica Gilmal.

O artista ainda defende que o governo federal deve ampliar os investimentos e atenção para mais artistas independentes em todo o Brasil, especialmente Manaus.

“Gostaria que as secretarias de cultura olhassem para cada artista, conhecessem mais o trabalho dele e por fim expandir o trabalho, porque eu acho que a cultura salva, a arte vai salvar muitas vidas ainda. Por mais cultura, por mais arte para todo mundo”, finaliza Gilmal.

Outro a comemorar a lei como uma vitória para o movimento artístico é Dénis LDO. O grafiteiro, com mais de 20 anos de jornada, reflete sobre a simbologia de usar os muros de Manaus para expressar emoções e críticas sociais.

“Essa arte, pra mim, é como se fosse um livro em branco, onde escrevo a história da minha vida, porque cada muro é como se fosse parte da minha vida e a caneta é o meu spray”, afirma o artista. 

Dénis LDO comemora a lei que valoriza expressões artísticas. – Foto: Renata Barreiros/Diário da Capital

Para ele, a nova lei é uma forma de legitimar o trabalho de muitos artistas urbanos que, ao longo dos anos, tiveram suas obras apagadas ou desvalorizadas.

“Não deixa de ser uma conquista, mas visto que o grafite está atuando desde a década de 70, então de lá pra cá já teve muitas histórias e muitos artistas que perderam seus trabalhos nas ruas. A arte sempre foi marginalizada, então não deixa de ser uma vitória em nome dessas pessoas”, destaca o artista.

Denis ainda comenta que ainda há muito a ser feito. Ele aponta a necessidade de mais espaços protegidos, como festivais e eventos culturais, além de mais segurança.

“O poder público pode ajudar a gente com mais editais, com mais acessibilidade a certos lugares públicos, onde as artes podem ser incluídas, como festivais e locais protegidos como patrimônio cultural. Porque a arte de rua em si é colocada em lugares que são abandonados. Essa lei também tem que ser voltada a proteger o artista, porque o artista passa muito perigo na rua”, conclui.

O que diz a Lei?

De acordo com a nova legislação, idealizada em 2020 pela deputada estadual Benedita da Silva (PT-RJ), a charge é descrita como uma ilustração humorística que faz sátira de figuras públicas e eventos atuais.

A caricatura, por sua vez, é uma arte que exagera ou distorce traços humanos para gerar humor ou crítica. Já o cartum, frequentemente presente em jornais e revistas, ironiza comportamentos humanos por meio de desenhos humorísticos. O grafite, conhecido por seu caráter urbano, é reconhecido como uma forma de arte que utiliza espaços públicos para veicular mensagens visuais e críticas sociais.

Com a aprovação dessa lei, essas expressões artísticas agora fazem parte da cultura oficial do Brasil, o que assegura o incentivo ao desenvolvimento e a preservação de diversas formas.

Ao Diário da Capital, o produtor cultural Roberto Fernandes reforça que a implementação da lei precisa ir além do papel, garantindo mais oportunidades, espaços protegidos e apoio contínuo.

“É um avanço muito importante, um reconhecimento. Isso traz embasamento teórico para os artistas que muitas vezes trabalham em situações precárias de periculosidade nas ruas. Importante que o poder público, através disso, não só incentive, mas como integre e fomente a regionalidade dessas expressões artísticas”, explica Fernandes.

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